Parecer Jurídico - PEC 186/2019

Fonte: Jurídico Fenapef

Data: 19/03/21

EMENTA: EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 109/2021. PROMULGAÇÃO DA PEC Nº 186/2019. REPERCUSSÕES JURÍDICAS À CARREIRA POLICIAL FEDERAL. VEDAÇÕES. GATILHOS. RECOMPOSIÇÃO SALARIAL. APLICABILIDADE A ESTADOS E MUNICÍPIOS.

 

I. DA INTRODUÇÃO

1. Trata-se de solicitação de assistência jurídica para elaboração de parecer acerca das repercussões jurídicas à carreira policial federal da Emenda Constitucional nº 109/2021, oriunda do PEC nº 186/2019.

2. Insta destacar que a referida EC, promulgada em 15 de março de 2021, foi resultado de negociações entre o Governo e o Congresso Nacional a fim de viabilizar o pagamento de novas parcelas de auxílio emergencial no panorama de uma economia nacional fragilizada ante o cenário de calamidade causado pela COVID-19.

3. Tais tratativas materializaram uma forma que o Poder Executivo encontrou para aprovar medidas impopulares em contrapartida ao pagamento do benefício, assaz necessário na conjuntura atual.

 

II. DOS GATILHOS PARA A OCORRÊNCIA DAS VEDAÇÕES CONSTITUCIONAIS: ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA DE ÂMBITO NACIONAL E COMPROMETIMENTO DE 95% DA DESPESA PRIMÁRIA COM DESPESAS OBRIGATÓRIAS

4. As vedações que limitam a discricionariedade de elaboração das leis orçamentárias - a serem tratadas no próximo tópico - não têm aplicabilidade permanente no ordenamento. Para que sejam ativadas, o Texto Maior estabeleceu duas situações-gatilho que produzirão efeitos apenas enquanto perdurarem. a saber: (a) estado de calamidade pública de âmbito nacional e (b) comprometimento de 95% da despesa primária com despesas obrigatórias.

5. Neste contexto, a nova norma constitucional atribuiu ao Presidente da República competência para propor ao Congresso Nacional o “estado de calamidade pública”, nos termos do art. 84, XXVIII1. Caso o Congresso Nacional aprova esta proposição do Chefe do Executivo, iniciar-se-á o regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações, conforme dicção do art. 167-B, abrangendo a União Federal:

1 Art. 84. (...)

XXVIII – propor ao Congresso Nacional a decretação do estado de calamidade pública de âmbito nacional previsto nos arts. 167-B, 167-C, 167-D, 167-E, 167-F e 167-G desta Constituição.

Art. 167-B. Durante a vigência de estado de calamidade pública de âmbito nacional, decretado pelo Congresso Nacional por iniciativa privativa do Presidente da República, a União deve adotar regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para atender às necessidades dele decorrentes, somente naquilo em que a urgência for incompatível com o regime regular, nos termos definidos nos arts. 167-C, 167-D, 167-E, 167-F e 167-G desta Constituição.

6. Em outra circunstância, se for verificado, no momento de aprovação da lei orçamentária, que a parcela obrigatória da despesa primária é superior a 95% (noventa e cinco inteiros por cento) da despesa primária total, incidem vedações semelhantes que restringem a atuação orçamentária, mas limitadas ao Poder ou órgão no qual o percentual acima for atingido.

7. Para esclarecer, despesa primária é toda a despesa não-financeira (não congrega os pagamentos de juros, por exemplo) necessária para manter a oferta de serviços públicos à sociedade, como gastos com pessoal, com infraestrutura e investimentos. Parte deste custo é obrigatório por força de lei ou da própria Constituição Federal, como a transferência de parcelas a outros entes ou a fundos, pagamento de servidores etc.

8. Caso atinja-se uma situação de que mais de 95% (noventa e cinco inteiros por cento) dos valores disponíveis para o custeio da despesa primária esteja vinculado a gastos obrigatórios, o regime especial fiscal passará a produzir seus efeitos até que o percentual aferido volte a valores menores que o citado.

9. Importa destacar, ainda, que este regime se aplica somente ao Poder ou órgão em cuja circunstância foi verificada, pois tal situação no âmbito do Ministério Público, por exemplo, que ostenta orçamento independente, não prejudicará o Poder Executivo.

10. Esta é a definição do art. 109 do ADCT com a redação alterada:

Art. 109. Se verificado, na aprovação da lei orçamentária, que, no âmbito das despesas sujeitas aos limites do art. 107 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a proporção da despesa obrigatória primária em relação à despesa primária total foi superior a 95% (noventa e cinco por cento), aplicam-se ao respectivo Poder ou órgão, até o final do exercício a que se refere a lei orçamentária, sem prejuízo de outras medidas, as seguintes vedações:

11. Assim, verifica-se que é necessária a ocorrência de um dos dois cenários para que se façam aplicáveis as vedações trazidas pela Emenda Constitucional. Do contrário, não há limitações impingidas ao Poder Executivo no trato econômico-financeiro com os servidores públicos, salvo o teto de gastos imposto pela EC nº 95/2016.

 

III. DAS VEDAÇÕES IMPOSTAS À EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA

12. As vedações de aumento de despesas impostas nas duas situações tratadas no tópico anterior são semelhantes, diferindo-se apenas quanto ao gatilho que as tenha provocado.

13. Em caso de calamidade pública de âmbito nacional, o art. 167-G combinado com o art. 167-A e incisos define as seguintes proibições:

I - concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e de militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas de que trata este artigo;

II - criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

III - alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

IV - admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas:

a) as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa;

b) as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios;

c) as contratações temporárias de que trata o inciso IX do caput do art. 37 desta Constituição; e

d) as reposições de temporários para prestação de serviço militar e de alunos de órgãos de formação de militares;

V - realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas no inciso IV deste caput;

VI - criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores e empregados públicos e de militares, ou ainda de seus dependentes, exceto quando derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas de que trata este artigo;

VII - criação de despesa obrigatória;

VIII - adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, observada a preservação do poder aquisitivo referida no inciso IV do caput do art. 7º desta Constituição;

IX - criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como remissão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que impliquem ampliação das despesas com subsídios e subvenções;

X - concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária.

14. Nota-se que, com a exceção dos incisos IX e X, que abordam questões tributárias, todos os demais incisos têm o condão de afetar o serviço público e, consequentemente, seus servidores, impedindo, por exemplo, a realização de concursos públicos para aumentar os cargos de uma carreira, a concessão de aumento salarial, a criação de benefícios etc.

15. Já em relação à hipótese de alcance de percentual quase integral das despesas obrigatórias no âmbito das despesas primárias, foram estabelecidas no art. 109 do ADCT as seguintes, frisando que constituem inovação constitucional apenas o gatilho tratado anteriormente e os incisos I, IV, VI e IX:

I – concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e de militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas de que trata este artigo;

II - criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

III - alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

IV – admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas:

a) as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa;

b) as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios;

c) as contratações temporárias de que trata o inciso IX do caput do art. 37 da Constituição Federal; e

d) as reposições de temporários para prestação de serviço militar e de alunos de órgãos de formação de militares;

V - realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas no inciso IV;

VI – criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, de servidores e empregados públicos e de militares, ou ainda de seus dependentes, exceto quando derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas de que trata este artigo;

V - realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas no inciso IV;

IX – aumento do valor de benefícios de cunho indenizatório destinados a qualquer membro de Poder, servidor ou empregado da administração pública e a seus dependentes, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas de que trata este artigo.

§ 2º Caso as vedações de que trata o caput deste artigo sejam acionadas para o Poder Executivo, ficam vedadas:

I - a criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como a remissão, renegociação ou refinanciamento de dívidas Página7

que impliquem ampliação das despesas com subsídios e subvenções; e

II - a concessão ou a ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária.

16. Não é demais se rememorar, ainda, que, pela redação do art. 109, caput, e do art. 107, II, III, IV e V, ambos insculpidos no ADCT, as restrições são impostas indistintamente a qualquer Poder ou órgão com autonomia orçamentária do Estado Brasileiro e seus efeitos são restritos àqueles em que for constatado a extrapolação da proporção de 95% (noventa e cinco inteiros por cento) e apenas enquanto a situação não for normalizada, ou seja, quando a proporção retornar para valores percentuais iguais ou inferiores ao citado.

 

IV. DA POSSIBILIDADE DA RECOMPOSIÇÃO SALARIAL DOS POLICIAIS FEDERAIS DURANTE A OCORRÊNCIA DAS SITUAÇÕES-GATILHO

17. Durante a tramitação do PEC, as categorias de servidores públicos se mostraram em grande número contrárias à sua aprovação, considerando que o texto inicial fixava que, enquanto os gatilhos estivessem ativados, suspendia seus direitos estatutários e impedia a recomposição salarial para manter o poder aquisitivo.

18. Tal previsão estava consubstanciada na inclusão do art. 167-A, I, à Constituição Federal e no art. 3º, § 2º, I, do projeto original do PEC, como demonstra suas redações:

Art. 167-A. No exercício para o qual seja aprovado ou realizada, com base no inciso III do art. 167 da Constituição Federal, volume de operações de crédito que excedam à despesa de capital, serão automaticamente acionados mecanismos de estabilização e ajuste fiscal, sendo vedadas ao Poder Executivo, aos órgãos do Poder Judiciário, aos órgãos do Poder Legislativo, ao Ministério Público da União, ao Conselho Nacional do Ministério Público e a Defensoria Pública da União, todos integrantes dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União:

I - concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal decorrente de atos anteriores ao início do regime de que trata este artigo;

Art. 3° Se for constatado, no período do segundo ao décimo terceiro mês antecedente ao da promulgação desta Emenda Constitucional, que a realização de operações de crédito, no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, excedeu o montante das despesas de capital, serão automaticamente acionados mecanismos de estabilização e ajuste fiscal, sendo aplicadas, no restante do exercício :financeira e nos dois subsequentes, a todos os Poderes e Órgãos mencionados no art. 107 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, as vedações previstas no caput e parágrafos do art. 109 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

§ 2° Para fins de aplicação do disposto do inciso I do § 1°:

I - durante o período de suspensão ficam vedados quaisquer atos que impliquem reconhecimento, concessão ou pagamento de progressão, promoção, reajustes e revisões a que se referem as alíneas "a" e "c", não se constituindo desta suspensão quaisquer efeitos obrigacionais futuros;

19. O texto aprovado, contudo, não ostentou estas proibições.

20. Permaneceu a vedação de concessão de aumento, mas a recomposição salarial limitada à inflação fora ressalvada, como se percebe da inclusão do art. 167-A, VIII, aplicável na decretação de estado de calamidade pública de âmbito nacional provocado pelo Presidente por força da inscrição do art. 167-G, e pela manutenção do art. 109, VIII, do ADCT, no caso de a despesa obrigatória ultrapassar 95% (noventa e cinco inteiros por cento) do montante total da despesa primária. Verbis:

Art. 167-A. Apurado que, no período de 12 (doze) meses, a relação entre despesas correntes e receitas correntes supera 95% (noventa e cinco por cento), no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, é facultado aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público, ao Tribunal de Contas e à Defensoria Pública do ente, enquanto permanecer a situação, aplicar o mecanismo de ajuste fiscal de vedação da:

VIII - adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, observada a preservação do poder aquisitivo referida no inciso IV do caput do art. 7º desta Constituição;

Art. 109. Se verificado, na aprovação da lei orçamentária, que, no âmbito das despesas sujeitas aos limites do art. 107 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a proporção da despesa obrigatória primária em relação à despesa primária total foi superior a 95% (noventa e cinco por cento), aplicam-se ao respectivo Poder ou órgão, até o final do exercício a que se refere a lei orçamentária, sem prejuízo de outras medidas, as seguintes vedações:

VIII - adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, observada a preservação do poder aquisitivo referida no inciso IV do caput do art. 7º da Constituição Federal.

21. Ainda que não deixe explícita que tais dispositivos autorizariam a recomposição salarial dos servidores públicos, incluídos os policiais federais, uma análise da legislação e doutrina do contexto do Direito Financeiro não permite qualquer dúvida.

22. A Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101/2000, define no art. 17 os requisitos para a determinação de quais despesas se caracterizam como obrigatórias:

Art. 17. Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.

23. Os vencimentos dos servidores são uma despesa corrente2, firmada em lei e sua execução é permanente, cumprindo com sobras o pressuposto temporal de dois anos.

24. Harrison Leite3, ao se debruçar sobre a norma supracitada, esclarece:

2 Definida conforme o art. 13 da Lei nº 4.320/1964.

3 LEITE, Harrison. Manual de Direito Financeiro. 5ª ed. 2016. Salvador: JusPODIVM. p. 324.

4 Nesta toada: Tathiane Piscitelli, Marcus Abraham, Wilson Araújo, Vanessa Siqueira, Clarissa Magaldi, João Paulo Lordelo.

Além da atenção que o gestor deve ter quando cria, expande ou aperfeiçoa (CEA) despesa, maior cuidado deverá ter quando a despesa criada é de caráter continuado, como por exemplo, a despesa de contratação de servidores para cargos efetivos, em virtude do maior potencial que possui de desequilibrar o orçamento.

25. Ademais, o campo do Direito Financeiro trata como sinônimas as expressões “despesas correntes” e “despesas obrigatórias”4. Desta feita, não só a interpretação sistemática da LRF e as lições doutrinárias, como a própria classificação orçamentária da Lei nº 4.320/1964 reforçam o ponto aqui esposado, uma vez que fixa os gastos com pessoal na categoria de despesas correntes.

26. Diante do exposto, não resta dúvida de que o texto incorporado à Constituição Federal permitiu a recomposição salarial dos servidores, limitada à inflação, ainda que durante a ocorrência das situações-gatilho tratadas no tópico II.

27. Todavia, esclarece-se que também há interpretações distintas quanto a este ponto apresentadas por profissionais balizados. Contam como fundamento o fato de que a LRF alhures mencionada trata das despesas obrigatórias de caráter continuado em seu artigo 17 e aborda as despesas de pessoal em seu artigo 18, permitindo a ideia de que estas não fazem parte daquelas, apesar de serem obrigatórias e permanentes.

28. Ademais, o art. 109, § 3º, do ADCT fixa que, ativados os gatilhos, fica vedada a concessão da revisão geral anual dos vencimentos de servidores prevista no art. 37, X, da Constituição Federal5. Ocorre que, em nosso sentir, a revisão geral anual não se confunde com a recomposição salarial negociada por cada categoria com o Congresso Nacional.

29. De toda sorte, este tema é passível de necessidade de discussão judicial, se a situação fática assim se apresentar, sem que a previsão de um resultado seja possível no atual momento.

5 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;

 

V. DA MANUTENÇÃO DOS DIREITOS DOS SERVIDORES ENQUANTO PERDURAREM O ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA DE ÂMBITO NACIONAL E O COMPROMETIMENTO MAIOR QUE 95% DA DESPESA PRIMÁRIA TOTAL COM DESPESAS OBRIGATÓRIAS

30. Ainda no tema dos direitos dos servidores inicialmente afetados pelo texto original da PEC, ressalta-se a sistemática da promoção/progressão funcional e a possibilidade de redução da jornada com a redução proporcional dos vencimentos, como se observa:

Art. 167-A. No exercício para o qual seja aprovado ou realizada, com base no inciso III do art. 167 da Constituição Federal, volume de operações de crédito que excedam à despesa de capital, serão automaticamente acionados mecanismos de estabilização e ajuste fiscal, sendo vedadas ao Poder Executivo, aos órgãos do Poder Judiciário, aos órgãos do Poder Legislativo, ao Ministério Público da União, ao Conselho Nacional do Ministério Público e a Defensoria Pública da União, todos integrantes dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União:

§ 1 o Adicionalmente às vedações a que se refere o caput deste artigo, serão adotadas as seguintes suspensões:

II - de progressão e da promoção funcional em carreira de servidores públicos, incluindo os de empresas públicas e de sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio, com exceção das promoções:

§ 2° Para fins de aplicação do disposto do inciso li do § 1°:

I - durante o período de suspensão ficam vedados quaisquer atos que impliquem reconhecimento, concessão ou pagamento de progressão e promoção a que se refere o inciso 11 do § 2°, não se constituindo desta suspensão quaisquer efeitos obrigacionais futuros;

§ 3°No período de que trata o caput, a jornada de trabalho dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional poderá ser reduzida em até 25% (vinte e cinco por cento), com adequação proporcional de subsídios e vencimentos à nova carga horária, nos termos de ato normativo motivado do Poder Executivo, dos Órgãos do Poder Judiciário, dos Órgãos do Poder Legislativo, do Ministério Público da União, do Conselho Nacional do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, que especifique a duração, a atividade funciona!, o órgão ou unidade administrativa objetos da medida, bem como discipline o exercício de outras atividades profissionais por aqueles que forem alcançados por este dispositivo.

Art. 169. A despesa com pessoal ativo, inativo e pensionistas, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

§ 3º (...)

I-A - redução temporária da jornada de trabalho, com adequação proporcional dos subsídios e vencimentos à nova carga horária, em, no máximo, 25% (vinte e cinco por cento), com base em ato normativo motivado de cada um dos Poderes que especifique a duração, a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objetos da medida, bem como o exercício de outras atividades profissionais por aqueles que forem alcançados por este dispositivo;

Art. 3° Se for constatado, no período do segundo ao décimo terceiro mês antecedente ao da promulgação desta Emenda Constitucional, que a realização de operações de crédito, no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, excedeu o montante das despesas de capital, serão automaticamente acionados mecanismos de estabilização e ajuste fiscal, sendo aplicadas, no restante do exercício financeiro e nos dois subsequentes, a todos os Poderes e Órgãos mencionados no art. 107 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, as vedações previstas no caput e parágrafos do art. 109 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

§ 1º Adicionalmente às vedações a que se refere o caput deste artigo, serão adotadas as seguintes medidas:

I - suspensão:

a) de progressão e da promoção funcional em carreira de servidores públicos, incluindo os de empresas públicas e de sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio, com exceção das promoções:

§ 3°No período de que trata o caput, a jornada de trabalho dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional poderá ser reduzida em até 25% (vinte e cinco por cento), com adequação proporcional de subsídios e vencimentos à nova carga horária, nos termos de ato normativo motivado de Poder e órgãos referidos no art. 107 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que especifique a duração, a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objetos da medida, bem como discipline o exercício de outras atividades profissionais por aqueles que forem alcançados por este dispositivo.

31. Destaca-se, todavia, que nenhuma destas normas foi mantida no texto final promulgado, de forma que não houve limitação ao direito de promoção/progressão ou ao de irredutibilidade salarial.

 

VI. DA APLICABILIDADE DAS VEDAÇÕES AOS ESTADOS, MUNICÍPIOS E DISTRITO FEDERAL

32. Importa frisar, inicialmente, que a matéria abordada até aqui se deu pelo foco da União, não sendo automaticamente extensíveis as considerações feitas aos estados, aos municípios e ao Distrito Federal.

33. Ocorre que a Emenda Constitucional determinou as mesmas restrições destinadas ao ente nacional também aos demais entes federativos, mas de modo facultativo.

34. Desta forma, constatado no orçamento de Poder ou órgão distrital, estadual ou municipal o comprometimento de mais de 95% (noventa e cinco inteiros por cento) das receitas correntes com despesas correntes, fica facultado ao afetado adotar até todas as vedações inscritas no art. 167-A.

35. Perceba-se que o gatilho, apesar de parecido com a União, é distinto. Aqui se trata de uma proporção entre as despesas correntes e as receitas correntes, cuja classificação é encontrada na Lei nº 4.320/196467.

36. Assim:

6 Art. 11 - A receita classificar-se-á nas seguintes categorias econômicas: Receitas Correntes e Receitas de Capital.

§ 1º - São Receitas Correntes as receitas tributária, de contribuições, patrimonial, agropecuária, industrial, de serviços e outras e, ainda, as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas classificáveis em Despesas Correntes.

7 Art. 12. A despesa será classificada nas seguintes categorias econômicas:

DESPESAS CORRENTES

Despesas de Custeio

Transferências Correntes

DESPESAS DE CAPITAL

Investimentos

Inversões Financeiras

Transferências de Capital

§ 1º Classificam-se como Despesas de Custeio as dotações para manutenção de serviços anteriormente criados, inclusive as destinadas a atender a obras de conservação e adaptação de bens imóveis.

Art. 167-A. Apurado que, no período de 12 (doze) meses, a relação entre despesas correntes e receitas correntes supera 95% (noventa e cinco por cento), no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, é facultado aos Poderes Executivo, Legislativo e

Judiciário, ao Ministério Público, ao Tribunal de Contas e à Defensoria Pública do ente, enquanto permanecer a situação, aplicar o mecanismo de ajuste fiscal de vedação da:

I - concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e de militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas de que trata este artigo;

II - criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

III - alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

IV - admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas:

a) as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa;

b) as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios;

c) as contratações temporárias de que trata o inciso IX do caput do art. 37 desta Constituição; e

d) as reposições de temporários para prestação de serviço militar e de alunos de órgãos de formação de militares;

V - realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas no inciso IV deste caput;

VI - criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores e empregados públicos e de militares, ou ainda de seus dependentes, exceto quando derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação das medidas de que trata este artigo;

VII - criação de despesa obrigatória;

VIII - adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, observada a preservação do poder aquisitivo referida no inciso IV do caput do art. 7º desta Constituição;

IX - criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como remissão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que impliquem ampliação das despesas com subsídios e subvenções;

X - concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária.

37. Relativamente à decretação de estado de calamidade pública nacional, as mesmas proibições acima colacionadas também têm sua aplicação oportunizada aos estados, municípios e Distrito Federal, por força do art. 167-G, § 3º, como se vê:

Art. 167-G. Na hipótese de que trata o art. 167-B, aplicam-se à União, até o término da calamidade pública, as vedações previstas no art. 167-A desta Constituição.

§ 3º É facultada aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a aplicação das vedações referidas no caput, nos termos deste artigo, e, até que as tenham adotado na integralidade, estarão submetidos às restrições do § 6º do art. 167-A desta Constituição, enquanto perdurarem seus efeitos para a União.

38. Constata-se, outrossim, que, apesar de não ser mandatória a adoção das restrições elencadas pelos demais entes federados, a opção por sua não aplicação total acarreta consequências, que são as mesmas para ambas as situações-gatilho, conforme esclarecido pelo art. 165-A, § 6º:

Art. 165-A (...)

§ 6º Ocorrendo a hipótese de que trata o caput deste artigo, até que todas as medidas nele previstas tenham sido adotadas por

todos os Poderes e órgãos nele mencionados, de acordo com declaração do respectivo Tribunal de Contas, é vedada:

I – a concessão, por qualquer outro ente da Federação, de garantias ao ente envolvido;

II – a tomada de operação de crédito por parte do ente envolvido com outro ente da Federação, diretamente ou por intermédio de seus fundos, autarquias, fundações ou empresas estatais dependentes, ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente, ressalvados os financiamentos destinados a projetos específicos celebrados na forma de operações típicas das agências financeiras oficiais de fomento.

39. Nota-se, assim, que estados, municípios e o distrito federal se encontrarão em situação deveras precária para executar seus orçamentos, considerando que estarão impedidos de dois instrumentos essenciais para sua consecução, como a tomada de garantia e de operações de crédito de outros entes federativos, caso decidam por não adotar as medidas restritivas elencadas na Constituição Federal se comprometerem mais de 95% (noventa e cinco inteiros por cento) de suas receitas correntes com despesas correntes ou se o país estiver enfrentando circunstância de calamidade pública.

 

VII. DA CONCLUSÃO

40. Pelo exposto, a presente assessoria jurídica após avaliação da inovação constitucional, (I) teceu breve relato do contexto de aprovação da PEC nº 186/2019 (II) identificou as circunstâncias fáticas que provocam a aplicação de restrições orçamentárias no âmbito da União Federal; (III) esclareceu as vedações incidentes em cada caso; (IV) concluiu pela possibilidade de recomposição salarial limitada à inflação dos servidores públicos enquanto durarem as situações-gatilho; (V) constatou a manutenção dos demais direitos dos servidores, ameaçados no texto original; e (VI) explicou acerca da facultatividade de adoção das restrições a estados, municípios e o Distrito Federal, bem como as consequências de seu não emprego.

41. É o parecer, s.m.j.

 

Brasília/DF, 18 de março de 2021.

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