POPULISMO PENAL: a (des)proteção da mulher e a violência de gênero

Texto originalmente publicado pela Gazeta (ES) neste domingo (29)

Fonte: Gazeta (ES)

Data: 30/08/21

A nefasta cultura da violência machista do povo brasileiro em confronto com a falta de direcionamento filosófico da emancipação feminina deixam as mulheres, cada vez mais, reféns da violência de gênero consumada na educação opressora das famílias brasileiras. Somando-se a esse fenômeno, impera o despreparo e oportunismo dos representantes parlamentares a se utilizarem do “populismo penal” para criarem tipos penais insubsistentes, expandindo exageradamente as penas que vão desacreditando um cenário da persecução penal caótico, ou seja, a justiça criminal permanece com o pior índice de efetividade (2% de condenações) no contexto mundial, fundamentados por um sistema policial arcaico de investigação criminal (8% de resolutividade dos delitos, com autoria e materialidade) e um patrulhamento preventivo deficiente, gerando impunidade e aumento da violência.

Sob o espectro do “populismo penal”, foi publicada a Lei 14.188, de 29/07/2021, definindo o “programa de cooperação sinal vermelho à violência doméstica e familiar contra a mulher” que, em síntese, determina aos poderes constituídos (Executivo, Judiciário, MP, DP, órgãos policiais e entidades privadas) a darem assistência e proteção à mulher vítima de violência doméstica, a partir do instante que “o sinal em formato de X”, for exibido por ela, preferencialmente feito na mão e em cor vermelha. A modificação penal determinou o aumento de pena (1 a 4 anos) para a “lesão corporal leve” praticada contra a mulher, caso se constate qualquer pequeno hematoma decorrente de agressão feita pelo companheiro machista. Foi criado também o tipo penal de “violência psicológica” (Art. 147-B do CP), com pena de reclusão de 6 meses a 2 anos e multa. A partir de agora, comete crime o homem agressivo que “causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação”.

Muito além das futuras discussões e divergências jurídicas sobre a possibilidade de prisão em flagrante para o novel crime de “violência psicológica” que somente pode ser cometido contra a mulher, o mais importante seria o gestor público apresentar um planejamento operacional fundamentado em uma efetiva “política pública de proteção à mulher”. Afinal, o expansionismo penal nunca resolveu ou reduziu os índices trágicos da violência trazendo soluções efetivas para o fenômeno criminológico.

Trata-se de uma utopia acreditar que serão constituídas, imediatamente ou em prazo médio, as equipes técnicas especializadas de policiais para acolherem e tomarem providências quanto aos casos de violência contra a mulher, sejam leves, graves ou psicológicas, tendo em vista que a atual estrutura colonial de gestão da segurança pública brasileira transformou o escasso efetivo policial em burocratas atendentes de ocorrências policiais como meros “balconistas” de delegacias de polícia que nada investigam, sem autonomia técnica para dar andamento à investigação criminal, sujeitam-se à inexperiência centralizadora do gestor administrativo, estando muito distantes de qualquer visão acolhedora às vítimas femininas. Até para os casos comuns de crimes violentos não há prosseguimento investigatório adequado buscando autoria e materialidade do delito e tampouco apoio emocional à vítima. Somente prosseguem as investigações que envolvem pessoas famosas noticiadas pela mídia jornalística. O demais casos prescrevem nos escaninhos da impunidade.

O questionamento é: como implementar a proteção à mulher em todas as suas formas de violência, principalmente aquelas decorrentes de gênero, se o nosso país possui uma modelo de segurança pública arcaico e ineficiente? A sofisticação estrutural exigida pelos parâmetros da nova Lei 14.188/2021, que acrescenta e modifica preceitos na Lei Maria da Penha e o Código Penal, requer um modelo de atividade policial eficiente e moderno baseado no “ciclo completo da atividade policial” e na implementação da “carreira única” com ingresso exclusivo pela base laboral a ser viabilizados em todas as corporações policiais brasileiras, por intermédio de radical modificação no capítulo que trata da Segurança Pública na CF de 1988. A este respeito, já apresentei a minha “Teoria da Transdisciplinaridade da Atividade Policial”, fundamentada em 4 axiomas que se baseiam no conhecimento empírico, na doutrina da Ciência Policial e nas diretrizes filosóficas da “Teoria da Justiça”.

Nenhuma lei conseguirá mudar a cultura machista que dissemina a tragédia previamente anunciada para as mulheres – principalmente as mais pobres - que vivem sob o julgo emocional e financeiro de seus parceiros machistas e selvagens a planejarem o crime de gênero contra sua companheira, de maneira sádica, em completo desrespeito ao mais elementar sentimento humanitário, destruindo a dignidade da pessoa humana, contando com a conivência nocivas de diretrizes religiosas e familiares, em alguns casos. É preciso apostar na mudança da política educacional brasileira e investir urgentemente em abrigos de proteção às mulheres que buscarem apoio estatal contra o seu fatídico “inimigo íntimo”.

Roberto Darós é Advogado Criminalista (OAB/ES); Mestre em Direito Processual Penal (UFES); Especialista em Ciência Policial e Investigação Criminal na Coordenação de Altos Estudos em Segurança Pública da Escola Superior da Polícia Federal (ESP/ANP/PF); Especialista em Direito Constitucional (UFES); Vice-Presidente da Comissão de Segurança Pública (OAB/ES); Conselheiro-Suplente Estadual de Segurança Pública (COESP/ES); Conselheiro-Titular Municipal de Segurança Urbana de Vitória (COMSU/ES).

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