Os velhos desafios da Segurança Pública para um novo governo
por Yuri Corrêa Araújo
Fonte: Yuri Corrêa Araújo
Data: 06/06/23
Como não é novidade no Brasil, a cada novo governo impõem-se novos e antigos grandes desafios. Passados aproximadamente 100 dias da nova gestão, tanto a sociedade quanto o governo seguem atentos às instituições policiais que, para muitos, se radicalizaram. Para além das questões que estão todos os dias no noticiário e outros pontos em evidência, há ainda aqueles que chamam pouca atenção, ou se chamam não são tratados como prioridade, dentre elas a insatisfação nas instituições.
Ao contrário do que alguns imaginavam, o governo Bolsonaro foi uma grande decepção para as instituições de segurança pública. Nenhum dos pontos críticos estruturais foram atacados, nem mesmo a questão salarial. A necessidade de reforma nas instituições e nas carreiras das polícias para trazê-las para o século XXI sequer foi objeto de negociação. Como resultado, o Brasil segue em descompasso se comparado com as demais instituições policiais ao redor do mundo, sem plano de carreira que valorize a experiência, o mérito, o conhecimento e os valores que a sociedade espera das suas forças de segurança.
No intuito de chamar atenção para esses velhos problemas, alguns dados contribuem para um diagnóstico e podem servir como ponto de partida para o futuro governo buscar soluções. Em pesquisa[1] realizada por José Ricardo Ventura Corrêa com mais de 2300 Policiais Federais, 75,64% acreditam que suas chefias são ocupadas por indicações políticas, não possuindo mérito e competência para tal; 76,23% consideram as chefias incapazes de liderar e motivar seus subordinados; 86,53% consideram-se infelizes no trabalho e 97,84% percebem que a instituição não gera oportunidades iguais de crescimento dentre os cargos que compõem a carreira.
Em outra pesquisa envolvendo as Polícias Militares, Civis, Rodoviária Federal, Federal, Corpo de Bombeiros e Perícia, conforme aponta estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Fundação Getúlio Vargas em parceria com a SENASP[2], 34,4% em média afirmam que pretendem deixar a profissão assim que houver uma outra oportunidade. Neste quesito, chama atenção o percentual de 45,5% na Polícia Federal que fazem essa afirmação, muito maior que das demais forças.
Ao serem perguntados se fariam novamente a escolha pela carreira na corporação, 59% dos Policiais Federais responderam que não, contra 39,5% da PM, 37,4% da PC, 24,9% do CB e 22,8% da Perícia. A outra polícia da União, a PRF, apresenta números bem melhores, ainda mais se comparados à Polícia Federal. Apenas 20,8% de seu efetivo não fariam novamente essa escolha, contra os já citados 59% da PF, e 57,4% indicam que novamente escolheriam a carreira, contra 23,9% da PF[3]. O fato da PRF ser estruturada em carreira única pode ser uma explicação para os números melhores. Horizontes profissionais mais largos, reconhecimento e oportunidades tendem a manter os profissionais motivados por mais tempo e a reduzir a sensação de injustiças na ocupação das chefias, na medida abre caminho para valorização de mérito e competência.
Outro apontamento importante refere-se à percepção dos policiais sobre as carreiras policiais de maneira geral. Apenas 6,9% concordam com a afirmação de que estas são adequadas e deveriam ser mantidas. Algo que merece destaque é a diferença de percepção entre a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, ambas polícias da União, em que 82,3% da primeira consideram a carreira inadequada contra 55,7% da segunda[4].
A capacidade, ou incapacidade, das instituições em identificar e aproveitar o potencial de seus profissionais também foi objeto da pesquisa, destacando-se negativamente, novamente, a Polícia Federal com 84,3% seguida das Polícias Civis com 76,6%.
Pesquisas empíricas quantitativas e qualitativas são importantes para traçar diagnósticos e indicar soluções. Será sobre estes dados, que apontam para fatores de risco para as instituições e para a prestação de serviço para a sociedade, que o novo governo terá que se debruçar. Profissionais motivados, valorizados e reconhecidos dentro e fora das suas instituições tendem a entregar melhores resultados. Olhar para dentro das forças policiais estaduais e federais, traçar diagnósticos, enfrentar eventuais resistências nas corporações e implementar reformas deveria ser um imperativo para qualquer governo que queira realmente uma transformação na segurança pública. No âmbito da União, é inadmissível que universos de satisfação e motivação tão díspares convivam sob o manto do Ministério da Justiça sem que se ascenda uma luz de alerta. Ao contrário do que se imagina, estudos indicam que se implementadas tais mudanças ainda gerariam economia, uma vez que teríamos um modelo mais racional e eficiente de forças de segurança. O desafio está posto há tempos, resta saber se haverá vontade política.
*Yuri Corrêa Araujo é Agente de Polícia Federal; Mestrando em Segurança Pública, Direito Penal e Direitos Humanos na Universidade de Salamanca/ Espanha; Bacharel e Licenciado em História (UFRJ); Graduando em Direito (UFF).
* Coluna de Yuri Corrêa Araújo para h50 Digital (periódico digital dirigido por profesionales de la seguridad para difusión y defensa de la actividad policial en España).
[1] FONTE: Corrêa, José Ricardo Ventura. Segurança Pública e Modernidade: proposições reflexivas sobre a polícia brasileira. 2021: 291.
[2] Fonte: LIMA, Renato Sérgio de; BUENO, Samira; SANTOS, Thandara. Opinião dos Policiais Brasileiros sobre Reformas e Modernização da Segurança Pública.
[3] Idem.
[4] Idem.
Esse artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fenapef.