Epidemia de Suicídios entre os policiais: nossos “heróis anônimos” estão doentes...

Por: Roberto Darós

Data: 27/09/19

Um assunto delicado como esse (suicídio de policiais) demanda uma abordagem diferente daquela tradicionalmente utilizada para se falar e compreender a origem dos grandes problemas sociais. Por isso, sua atenção e concentração devem também buscar a remota origem do tema que vou lhes apresentar resumidamente, a seguir, com uma pequena base doutrinária, mas de fácil entendimento. Leiam tranquilos. Sei que não estou escrevendo para os juristas, mas para a população angustiada por mudanças efetivas e pela harmonização da sociedade. Sigamos juntos nessa análise e aceitem esse pequeno desafio intelectual.

A dificuldade enfrentada pelos criminalistas pátrios remonta há época do Império do Brasil, em que existia uma imensa dificuldade na formulação do conceito de delito, tendo em vista a exagerada aproximação metodológica com o Código Criminal de 1830, fazendo menção ao jurista italiano Cesare Beccaria a fim de criticar a dificuldade de fixação conceitual para o referido diploma legal que até hoje ainda apresenta severas falhas. Agora imagine isso potencializado ao longo de décadas no controle da criminalidade e na definição da Política de Segurança Pública. É um completo caos que fez emergir a "doutrina negativa" das chamadas "autoridades policiais", alimentando a burocracia e a ineficácia dos procedimentos investigatórios com baixa ou inexpressiva resolutividade dos atos criminosos na persecução penal.

O maior obstáculo desse sistema de ciclo incompleto da ação policial criado no período colonial que permanece até hoje com a mesma estrutura ideológica é a negatividade ética do elemento moral, tendo um duplo condicionamento para o ato delituoso da ação humana que seria a perturbação da ordem social e a violação da lei moral, sendo que essa classificação binária concentra uma enorme contradição: o delito é uma ação antijurídica que infringe preceitos da ética. É constituído por dois elementos básicos: a agressão social e a reação sancionatória.

Calma... calma, muita calma nessa hora, Pessoal. Vou explicar a vocês esse preceito da teoria criminal em palavras populares: isso significa dizer que os nossos representantes políticos seguem na contramão da história mundial relativo as diretrizes para a Segurança Pública e iludem os cidadãos com discursos enganosos dizendo que o problema da criminalidade e da impunidade vão ser resolvidos quando houverem penas mais rígidas e chegam a propor “50 anos de cadeia” para o crime de homicídio ou quaisquer outros delitos graves. Mas essas propostas de “expansionismo penal” e “redução da maioridade penal” que tem forte ressonância social são um claro atestado de desespero e angústia da população, porque não se tem a coragem de identificar qual a verdadeira causa da violência: o falido modelo de investigação criminal, as estruturas arcaicas das corporações policiais e o baixo índice de resolutividade dos crimes, gerando a impunidade.

Infelizmente, ainda estamos longe de resolver o problema dos elevados níveis de violência urbana e rural, da qualificação e valorização dos operadores de segurança pública e da harmonização da sociedade brasileira. As decisões governamentais insistem em repetir a mesma fórmula política fracassada: carros potentes, armas modernas e computadores mirabolantes que são entregues aos representantes dos órgãos policiais em grandiosos eventos de mídia, mas mantendo uma estrutura “medieval”, injusta e ineficiente das corporações que atuam em ciclo incompleto da ação policial, com gestão administrativa deficitária, estrutura de cargos inadequados que competem entre si, submetidos às danosas interferências políticas em visíveis conflitos de competência e vácuos constitucionais que esperam ser sanados com o falacioso discurso da integração entre os órgãos policiais ou da famosa atividade de inteligência da polícia.

São muitos os aventureiros políticos que apresentam fórmulas milagrosas e inócuas para o controle da criminalidade e transformam a Segurança Pública e seus operadores em verdadeiro “laboratório” de experiências desastrosas ou inócuas, jogando pelo “ralo da irresponsabilidade” os valores orçamentários sempre escassos que, em primeira visão parecem medicamentos potentes, mas em realidade são venenos extremamente fatais. Essas medidas desproporcionais e sem fundamento criminológico demonstram o completo desespero de um povo que não consegue escolher adequadamente e confiar em seus representantes parlamentares que demonstram estarem preocupados apenas com seus próprios interesses, embora o discurso geral seja outro.

Nesse contexto dramático, surge a epidemia dos suicídios entre os operadores da Segurança Pública, demonstrando claramente uma realidade que os administradores não querem admitir: a polícia brasileira está doente. Nossos heróis precisam urgentemente de atenção, tratamento e acompanhamento psicológico, sob pena de autodestruição de todas as categorias policiais gerando a desestabilização das instituições democráticas e a falência da república.

É preciso modernizar toda a estrutura da Segurança Pública, valorizar os profissionais de todas as corporações policiais, dar-lhes apoio psicológico, social, médico, odontológico, jurídico (pasmem vocês, eles não tem e nunca tiveram), além de atribuir-lhes salários justos e dignos para o exercício de uma profissão que requer pessoas extremamente vocacionadas e avessas ao “exibicionismo” patético (estatal ou pessoal) que somente lhes expõem a vida à vingança privada dos criminosos.

A dissimulação dessa problemática é tão séria que governantes e administradores públicos utilizam-se de atitudes aparentemente simpáticas como a excessiva entrega de certificados e medalhas por meio de uma exagerada “glamorização” da atividade policial em ato ilusório e mesquinho que não celebra os verdadeiros "policiais de rua", aqueles que estão doentes de tanto trabalharem “sob pressão” e contraem enfermidades mentais que são agravadas pela atividade de polícia e a péssima gestão dos órgãos policiais.

Muitos desses profissionais convivem anos e anos com a doença silenciosa, sem que a administração pública tome medida eficaz de apoio social e tratamento do servidor, acentuando-se ainda mais a problemática com a instauração de processos disciplinares, em muitos casos originados na dependência química ou decorrente dos sintomas ocasionados pela doença mental. Ao invés disso, premiam sempre os mais influentes e bem relacionados com a elite administrativa, proporcionando-lhe cursos escolhidos e boas viagens à serviço, ficando as atividades mais árduas para os demais, aí incluídos todos os policiais doentes ainda não declarados oficialmente e de difícil constatação meramente visual.

Em contraponto a isso, as atitudes individualistas de autopromoção em busca da fama imediata a qualquer preço promovida por diversos indivíduos da categoria, também não estão comprometidas com o pensamento coletivo ou querem entender serem assuntos diversos e preferem esquecer os inúmeros casos de suicídios resultantes de assédio moral ininterrupto e silencioso durante a atividade profissional diária.

Somente a ética policial, sem censura, mas consciente, comprometida com a coletividade, poderá estancar as exageradas postagens irreais em redes sociais que misturam e estampam a imagem da corporação por meio de fotografias sensuais, roupas sociais elegantes associadas a trajes operacionais, armamentos sofisticados e robustos como se fossem “brinquedos” pessoais, aeronaves e viaturas policiais ilustrando a vaidade de suas figuras inexperientes, criando imagens glamorosas e fictícias daquilo que não é o cotidiano de todos os policiais brasileiros.

Isso é uma lástima. Mas tais atitudes inescrupulosas não se encaixam com profissionais verdadeiramente experientes nessa atividade laboral extremamente perigosa que se estende ao descanso particular e as horas de folga com a família (ou alguém acha que criminoso não monitora a futura vítima pela Web). É necessário e urgente agir em prol da consciência coletiva das categorias de operadores da Segurança Pública, deixando a vaidade excessiva para as outras profissões como cantores, artistas, modelos e jogadores de futebol. Isso não se integra adequadamente à vida policial. É necessária uma atitude diária discreta na vida pessoal e profissional, prezando sempre pela própria saúde física e mental, mantendo uma vida familiar equilibrada que preserve a paz espiritual do profissional de Segurança Pública. Queira ser sempre o “herói anônimo” que a sociedade ansiosamente espera da conduta ética e digna de seus guardiões da paz. Mas se qualquer situação ou momento, por uma fração de segundo, for insustentável ou minimamente perceptível continuar caminhando, procure imediatamente apoio psicológico e considere-se em “missão cumprida”.

 

Roberto Darós é Advogado Criminalista, Mestre em Direito Processual Penal (UFES), Professor de Pós-Graduação em Ciências Penais e Segurança Pública (UVV), Especialista em Ciência Policial e Investigação Criminal na Escola Superior da Polícia Federal (ESP/ANP/PF).

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