Debate sobre armas de fogo deve ter olhar nos dados e fatos

por Fabricio Sabaini

Fonte: Correio Braziliense

Data: 25/01/23

O governo adotou uma série de medidas que alteram o acesso às armas de fogo e anunciou que fará novas modificações, transferindo atribuições de outros órgãos para a Polícia Federal. Mudanças em políticas públicas devem ser feitas à luz de uma abordagem técnica, focada nos dados e fatos sobre o tema.

Em dissertação de mestrado na Universidade Vila Velha UVV(ES), aprofundei a análise de dados referentes à bonificação por arma ilegal apreendida e sua forte correlação com a diminuição dos crimes letais intencionais, o que vem se confirmando cada vez mais no transcorrer dos anos, sem aumentar a taxa de letalidade da atividade policial.

A política de bonificação por arma ilegal apreendida foi instituída em 2012, extinta em 2015 e retomada pela Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo no final de 2017. Em 2014, ano anterior à extinção, foram apreendidas 4.068 armas ilegais e houve 1.439 crimes letais. Ao longo dos três anos em que a política não foi implementada, vimos um crescimento da letalidade e uma queda na apreensão. Em 2017, por exemplo, 3.004 armas ilegais foram apreendidas e houve 1.448 crimes letais. Com a retomada da política, em 2017, os números de apreensão de armas voltaram a crescer e o de crimes letais a cair. Em 2021, último dado disponível, foram apreendidas 4.092 armas e houve 1.120 crimes letais.

O sucesso da política foi comprovado com dados e o retorno de seu pagamento foi uma das primeiras medidas anunciadas após a crise na segurança pública estadual, em 2017. A pesquisa desenvolvida na UVV/ES alcançou números com validade estatística e metodologia aplicáveis ao cenário brasileiro como um todo.

A bonificação se mostrou uma política pública testada, de baixo custo e alta efetividade, sem aumento de letalidade policial, que fez diferença na segurança pública capixaba e com possibilidade de ser replicada nacionalmente com êxito.

Os estudos apontam que as armas adquiridas legalmente no passado tiveram percentual desviado à criminalidade. São utilizadas para provocar confrontos e mortes na atualidade, fato comprovado em estudos científicos com metodologia e resultados aprovados, feitos através da análise das armas apreendidas.

Claro que não estamos falando de todas as armas vendidas. O que se deve compreender é que um controle bem realizado evita seu desvio à criminalidade e a consequente manutenção do direito de o cidadão portar arma. Um descontrole levaria a uma regulação muito mais restritiva.

Nas ponderadas medidas até o momento anunciadas pelo governo federal, uma questão preocupa os policiais federais: a execução do necessário recadastramento das armas de fogo. É pública e notória a falta de efetivo e estrutura suficiente da Polícia Federal para abarcar essa missão, como já foi várias vezes noticiado. Hoje, já há um déficit de quase 4 mil servidores nos quadros da PF, sobrecarregando os policiais em ação.

Na complexidade do tema, é preciso levar em consideração que, ao aumentar a atribuição das forças de segurança, notadamente dos policiais federais, o governo federal poderia, em tese, estruturar e valorizar mais as forças, de forma proporcional, até mesmo para motivação profissional.

De tal forma, a valorização dos profissionais de segurança pública, a bonificação por armas ilegais retiradas de circulação, bem como o recadastramento das armas e unificação de base de dados deverão ter, como consequência direta, a diminuição do desvio de armas à criminalidade e indireta, a diminuição dos crimes letais intencionais.

Os policiais federais entendem a transferência de atribuições à Polícia Federal como um reconhecimento à qualidade das tarefas desempenhadas por homens e mulheres que se dedicam diariamente à melhoria da segurança pública, mas lembra que a qualidade dos serviços prestados está relacionada ao equilíbrio na quantidade de efetivo, à modernização da estrutura investigativa e à valorização dos profissionais.

Assim, valorizar a atividade policial e seus integrantes, com políticas públicas que funcionam e os motivam, não é gasto orçamentário. É investimento na vida.

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