Criminofísica – Ciências Exatas no Combate ao Crime

Blog ‘Série Guerra’ entrevista Bruno Requião, que lança sua nova obra em março

Fonte: Comunicação Fenapef

Data: 18/02/21

O agente federal Bruno Requião lança, no dia 31 de março, no Sindicato dos Policiais Federais do Rio Grande do Sul (Sinpef/RS), a obra _Criminofísica – a ciência das interações criminais. Requião, é mestre e doutor em Física, além de ser pós-doutor pelo Consórcio para Aplicações Matemáticas para a Ciência e a Indústria da Universidade de Limerick, na Irlanda opera hoje na área de crimes cibernéticos. Em entrevista publicada pelo Blog Série Guerra, ele explica o conceito da obra, que estará disponível nos formatos impresso e ebook em todo o território nacional.

Leia abaixo a entrevista:
SÉRIE GUERRA: Criminofísica é um neologismo, correto? Explique, por favor, o que significa.

BRUNO REQUIÃO: É um neologismo, mas é muito mais que isso também. É uma nova forma de enxergar os fenômenos criminais, o que quebra com a visão tradicional e comprovadamente ineficiente das humanidades. É um resgate do método científico e da visão empírica das ciências. É compreender o ser humano como partícula ou átomo gerador dos fenômenos criminais, que se encaixam na física dos sistemas complexos, sem cair em determinismo simplista e sem perder as inúmeras dimensões da criminalidade.

SG: Quando exatamente surgiu a ideia para unir física e matemática no combate ao crime e na gestão da segurança pública?

BR: A ideia surgiu quando eu trabalhava com repressão a entorpecentes. À época, ganhava força o uso de diagramas de vínculos em investigações mais complexas. Somando isso ao que eu já conhecia da minha formação acadêmica, percebi que os conceitos se encaixavam. Na verdade, como explico no livro, a ideia de estudar os fenômenos sociais como parte da natureza e, portanto, utilizando-se o método científico-empirista é bem antiga, mas vem ganhando força devido às novas ferramentas matemáticas desenvolvidas principalmente no último século. Chama-se sociofísica ou física social. Contudo, ainda havia muito pouca inserção desses métodos no estudo do crime. O que eu fiz, então, foi expandir a ideia da sociofísica aos fenômenos criminais.

SG: De que forma a Criminofísica tem sido aplicada na prática? A Operação Darknet é um exemplo?

BR: Alguns usos da Criminofísica acabam ocorrendo de maneira não intencional. Por exemplo, na Operação Darknet da PF foram investigados indivíduos envolvidos em um fórum de pedofilia na dark web. Como mostramos em artigo recente, a equipe de investigação conseguiu chegar bem próximo do ponto ótimo de combate a esse grupo criminoso quando miramos os indivíduos de maior atividade ilícita, mas ainda havia um estoque de eficiência que poderia ter sido vencido caso o investimento em métodos criminofísicos tivesse sido maior. Fora do país sabe-se que muito se tem utilizado métodos de ciência de redes (uma ferramenta da criminofísica) em operações militares, como na captura do ditador Sadam Hussein.

SG: Os procedimentos descritos na obra podem ser usados para desestruturar facções criminosas como o PCC, por exemplo?

BR: Com certeza. As facções criminosas, os grupos terroristas, as redes criminais como um todo são típicos fenômenos criminais coletivos. O crime residual, praticado por alguns poucos indivíduos desconexos é geralmente irregular e difícil de controlar. Todavia, quando estamos falando de centenas e até milhares de pessoas, o comportamento começa a se tornar bastante previsível e segue regras matemáticas que hoje podem ser bastante exploradas. Um dos diversos resultados nesse sentido é que, não raro, as facções criminais podem ser desmanteladas caso foquemos nos laços fracos entre esses grupos. Mas para alcançar estes alvos, é preciso investimento em mapeamento e processamento com uso pesado de algoritmos matemáticos. Somente a intuição ou o uso frouxo e qualitativo de conceitos vagos, como é típico das humanidades, não tem capacidade de enfrentar um problema tão complexo.

SG: Os métodos utilizados nas ciências sociais e jurídicas são bastante combatidos pelo senhor no livro. Pode explicar de forma resumida essa sua visão?

BR: O método científico se consolida como empírico com nomes como Bacon, Hume, Newton entre outros. Essa visão causou uma verdadeira revolução na maneira de se perceber e estudar o mundo natural (do qual o homem e a sociedade fazem parte). Entretanto, os métodos quantitativos da época eram bem mais limitados que os de hoje, e houve uma contrarrevolução anticientífica que acabou resultando no humanismo de hoje. Principalmente devido a autores franceses e alemães, generalizou-se a ideia de ciência para qualquer conhecimento estruturado, sem compromisso com o empirismo que levou o ser humano a dominar o átomo e o DNA, por exemplo. Prefiro humanismo a ciências sociais e jurídicas, porque, de fato, elas não seguem o método científico tradicional e muito menos são hoje disciplinas empíricas, logo, neste ponto de vista, não são estritamente ciências. Ocorre que os fenômenos sociais são extremamente complexos e os métodos usados hoje pelas “ciências” sociais e jurídicas são muito menos sofisticados que aqueles usados pela física, matemática e outras ciências. O nível de profundidade matemática utilizada nessas áreas não é, na maioria das vezes, maior que aquilo que se aprende no nível médio. Contudo, os comportamentos sociais geralmente são ordens de grandeza mais complexos que o comportamento de átomos e moléculas, só que insistimos em utilizar ferramentas muito mais simples e quase nada sofisticadas. É como se para tratar um câncer utilizássemos uma aspirina em vez de todo o ferramental moderno da medicina. É hora de mudar e enfrentar o problema de outro ponto de vista.

SG: É possivel comprovar através da Criminofisica que o Direito Penal do Inimigo, se posto em prática, será uma alternativa para o combate ao crime e o enfrentamento do criminoso?

BR: É sim. Os modelos criminofísicos mostram que um número relativamente pequeno de indivíduos é responsável por manter redes criminais, como as facções, funcionando e operando organicamente. Estes indivíduos-chave, se retirados da rede, causam um efeito em cascata ou dominó que pode causar um verdadeiro apagão no crime organizado. Em outras palavras, esse número reduzido de alvos-chave causa um verdadeiro risco sistêmico ao Estado nos termos do Feindstrafrecht de Günther Jakobs. Assim, a prisão de uma pequena fração de criminosos selecionados conforme critérios criminofísicos em Regimes Disciplinares Diferenciados plenos pode cair como uma verdadeira bomba em redes criminais perigosíssimas para a sociedade, como aquelas ligadas ao crime de domínio de cidades, por exemplo.

SG: De acordo com seus estudos, os cálculos dos índices de criminalidade no Brasil têm critérios não confiáveis. Por quê?

BR: Este é um tópico bastante relevante porque mostra a apropriação de conceitos quantitativos sem a diligência necessária. Quando usamos métricas pro rata estamos assumindo que as razões se mantêm na mesma proporção independentemente do tamanho da população. Por exemplo, geralmente se utiliza o número de homicídios ou roubos a cada cem mil habitantes para se comparar o nível de criminalidade entre cidades com 10 milhões de habitantes e outras com 100 mil. Ocorre que a Criminofísica mostra que essas razões mudam com o aumento no número de pessoas. É um fenômeno já conhecido da biologia, chamado de alometria. Quando, por exemplo, o corpo de um caranguejo dobra de tamanho, a sua garra aumenta mais que o dobro. Com cidades, e com o crime, a mesma coisa acontece. Para realmente se comparar urbes de tamanho diferentes, precisamos utilizar uma correção matemática que leve em conta a alometria urbana, se não é como compararmos as proporções de um homem adulto com as de uma criança, apenas esticando-a. Sem essa correção a análise geralmente vai ser superestimada.

SG: Especialistas em segurança pública, sociólogos, jornalistas, dentre outros profissionais, vêm ultimamente fazendo correlação entre criminalidade e pandemia. Qual sua opinião sobre o tema?

BR: Isso é um sintoma da falta de treinamento básico em estatística e em ciência. Quando eu ministrava aulas de Métodos Quantitativos na Universidade de Limerick, na Irlanda, eu sempre fazia questão de frisar aos alunos os conceitos básicos e diferenças entre correlação e causalidade. Correlação é basicamente uma medida estatística entre duas variáveis aleatórias, geralmente é um número que oscila entre -1 e 1. Só que isso não nos diz nada sobre causalidade e sobre funcionalidade (uma coisa ser função de outra). Essa medida apenas informa que elas variam de maneira similar. Uma infinidade de dados sociais apresenta correlações espúrias, por exemplo, a correlação entre a taxa de divórcios no estado norte-americano do Maine e o consumo per capita de margarina nos EUA é de aproximadamente 99%. Ou, também, a idade da Miss América se correlaciona em 87% com o número de assassinatos por vapor ou por objetos quentes nos EUA. Ora, é evidente que essa alta correlação não mostra qualquer tipo de relação de causa e efeito ou qualquer outro tipo de relação funcional. É claro que esses são casos extremos, mas quando as variáveis são aparentemente relacionadas tendemos a acreditar que correlação implica causas mais profundas. É exatamente para evitar esse tipo de erro estatístico que no estudo de vacinas, por exemplo, são usados métodos cegos de randomização em fase III. Momento em que se busca evitar correlações espúrias para se aferir causa e efeito. O problema é que quase ninguém toma esse cuidado quando se trata de fenômenos sociais e o resultado é um monte de palpiteiros de plantão que tiram conclusões precipitadas. O método científico parte de um princípio agnóstico, segundo o qual somente a experimentação pode fornecer uma pirâmide sólida de evidências científicas a partir das quais se podem tirar conclusões firmes. É possível que haja correlação entre a pandemia e a criminalidade? Sim. É possível que não? Também. Afirmar qualquer coisa neste momento, sem nenhum estudo sério e controlado sobre isso, sem nenhuma evidência científica, é no mínimo desonestidade intelectual.

SG: No que se refere a modelos de estrutura de segurança pública, o que acha sobre entrada única, ciclo completo do policial e meritocracia por competência?

BR: Acredito que é uma evolução natural pela qual diversos países já passaram e uma hora ocorrerá no Brasil também. Como explico no livro, não reconhecer o caráter interdisciplinar, talvez até transdisciplinar, da segurança pública e relegar sua gestão apenas a bacharéis em direito é uma miopia anacrônica absurda. Um quadro extremamente complexo como o da criminalidade brasileira exige profissionais motivados, com a mais ampla formação e sólido treinamento científico, algo que os cursos de direito passam muito longe. Hoje, vivemos no Brasil um Estado judicialesco em que todas as áreas da vida social são de alguma maneira geridas impropriamente por profissionais da área jurídica, supervalorizando essa disciplina que acaba se alvoroçando em temas que vão muito além da superficial competência desse ramo do conhecimento. Mudar é mister. Mas a introdução de carreira com entrada única, ciclo completo e meritocracia passa pela valorização do método científico tradicional em detrimento de disciplinas puramente retóricas.

SG: O senhor diz que a Criminofísica vai no mesmo caminho da Psico-história de Isaac Asimov, descrita na trilogia Fundação. Comente essa afirmação.

BR: Asimov propôs na celebrada trilogia essa ideia que ele chamou de Psico-história. No romance, a personagem principal cria um misto de história e matemática que tem o poder de prever a evolução da sociedade. Asimov se inspirou em cientistas como Adolphe Quetelet e John Q. Stewart, que começaram a dar bastante momentum para uma retomada da visão científica nos fenômenos sociais. Em especial, quanto ao crime, esse movimento se cristaliza hoje em dia na Criminofísica. É claro que estamos muito distantes da visão de Asimov, mas os recentes avanços da física de sistemas complexos e da ciência de redes dão condições de imaginarmos um futuro não muito distante no qual a criminalidade é abordada de maneira cientificamente eficiente, resultando em ganhos para toda a humanidade.

SG: Qual o próximo projeto literário?

BR: A prioridade agora é promover a Criminofísica não só como livro, mas também como conceito. É uma área que ainda precisa de massa crítica de pesquisadores e policiais envolvidos. A obra será lançada em 31 de março, no Sindicato dos Policiais Federais no Rio Grande do Sul, momento em que também será disponibilizada a venda em todas as grandes livrarias do país em livro físico e ebook.

Nota Série Guerra:

Guerra Cultural é mais um produto da Série Guerra. A ideia deste espaço artístico é cavar trincheiras que conectem realidades absurdas a fantasias palpáveis. Participe, comente, mande bala!

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