Fórum Brasileiro de Segurança Pública destaca o problema da violência contra a mulher, o acesso à Justiça e o papel das instituições policiais
Data: 23/09/16
O 10º Encontro Anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que está sendo realizado até hoje, 23.09, em Brasília (DF), na Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos – FINATEC da Universidade de Brasília, tem como tema principal “Violência contra a mulher, Acesso à Justiça e o Papel das Instituições Policiais”.
O Encontro reúne pesquisadores, representantes da sociedade civil organizada e do setor privado, policiais e membros do sistema de justiça criminal em torno do debate da violência contra a mulher em suas mais diversas formas – doméstica, sexual, psicológica, dentre outras.
O evento conta ainda com uma série de atividades sobre homicídios, vitimização policial, audiências de custódia, formação dos profissionais de Segurança Pública, dentre outros, além de uma plenária com a presença de representantes das instituições policiais na qual serão debatidas propostas de modernização para o campo da Segurança Pública.
No segundo dia de atividades, o Fórum contou com uma conferência de abertura com a presença da Sra Maria da Penha, que inspirou a Lei com o mesmo nome, seguida de sete painéis, dentre os quais, a Gestão da Informação: produção de Indicadores para Monitoramento das Políticas Públicas de Segurança e Promoção da Transparência das Estatísticas Criminais, Relação entre Polícia e Sociedade na França e no Brasil e controle de armas de fogo na prática. A tarde, houve mais 18 sessões e duas plenárias. Em cada sessão, houve diversas apresentações de trabalhos, com destaque para os seguintes temas: “Debatendo o direito à cidade: políticas de segurança em nível local”, “Investigação e resolução de crimes violentos”, “Pensando a formação dos profissionais de segurança pública”, “Vitimização policial no Brasil” e “Administração de conflitos criminais e justiça penal: quais reformas?”. Em uma das plenárias, “Construindo a Segurança Pública que Queremos”, houve o lançamento do relatório da Plataforma Mudamos.
Hoje, dia 23, pelo período da manhã, haverá discussões sobre a redução da violência letal como projeto de Estado, dividido em três partes: o que dizem os dados, a (in)eficiência dos arranjos institucionais e estratégias para o enfrentamento da violência letal.
Gestão da Informação
Um dos assuntos que chamou a atenção dos participantes do SINPEF/RS foi a necessidade de se conceituar, harmonizar, padronizar e qualificar os dados envolvendo a Segurança Pública em nível nacional, desde os dados envolvendo o fato em si (o homicídio deve ser tratado como um fato, mesmo envolvendo várias vítimas ou a cada vítima corresponde um fato?), com os dados relativos aos autores, vítimas, local do crime, tempo do fato e muitos outros que certamente contribuiriam em muito para o desenvolvimento de políticas de segurança, como deslocamento de força policial para dias, horários e locais específicos, ou ainda investimento estatal em iluminação, transporte e urbanização. Sem dados ou sem dados confiáveis, a intervenção estatal tem poucas chances de obter êxito ou torna-se impossível identificar se determinada intervenção alcançou algum êxito, mesmo que mínimo.
No painel Gestão da Informação, apresentaram trabalhos Cláudia Rosa de Moraes (ISP/RJ), Ivênio Hermes (UFRN), Marcos Ruben de Oliveira (Instituto DataSenado) e Marcelo Durante (SSP/DF). Cláudia Rosa de Moraes, do Instituto de Segurança Pública do RJ, informou sobre o lançamento da nova edição do Dossiê Mulher que traz um grande repertório de dados estatísticos envolvendo a violência contra a mulher. Chamou também a atenção a informação de que a segunda maior notificação do número 190 é sobre violência doméstica.
Ivênio Hermes relatou a experiência no Rio Grande do Norte, na criação do Observatório da Violência Letal Intencional, apelidado de OBVIO, onde foram e ainda estão sendo armazenados diversos dados das mais diversas áreas que envolvem a temática da violência, possibilitando um estudo aprofundado da situação em nível estadual.
Na apresentação de Marcelo Durante, chamou a atenção o fato de que aos dados oficiais colhidos no momento dos registros de ocorrência são juntados os dados de pesquisas de vitimização, bem como a avaliação realizada após o atendimento por parte dos policiais militares, onde o cidadão pode informar se foi bem atendido, se o problema foi resolvido e se o cidadão, após o atendimento, confia mais na polícia. Outro dado interessante, diz respeito ao fato de que pode haver sensação de insegurança, mesmo com a redução nas taxas de crime. As informações por ele apresentadas basearam-se na experiência do Viva Brasília – Nosso Pacto pela Vida, um programa que prevê ações integradas para o enfrentamento dos problemas de Segurança Pública, envolvendo a colaboração entre as polícias, a população e os diferentes órgãos de governo para a construção de saídas conjuntas para as violências.
Violência Doméstica e Familiar em Números
Durante o mesmo painel sobre Gestão de Informação, Marcos Ruben de Oliveira apresentou dados importantes de pesquisa promovida pelo Instituto DataSenado, os quais estão disponíveis no site do Instituto e mostram que cem por cento das brasileiras sabem da existência da Lei Maria da Penha, promulgada em 2006, que tem o objetivo de proteger as mulheres da violência doméstica e familiar. Mas, parcela expressiva ainda se sente desrespeitada, e uma em cada cinco já sofreu algum tipo de violência; dessas mulheres, 26% ainda convivem com o agressor.
Os agressores mais frequentes ainda são os que têm ou já tiveram relações afetivas com a vítima: praticamente metade dessas mulheres (49%) teve como agressor o próprio marido ou companheiro, e 21%; o ex-marido, ex-companheiro ou ex-namorado. Nem todas as agredidas denunciam ou procuram ajuda, mas 97% das entrevistadas defendem que os agressores devem ser processados ou punidos, ainda que sem a concordância da vítima.
Esse retrato de persistentes agressões e desrespeito é revelado na recente pesquisa do DataSenado, realizada de 24 de junho a 7 de julho, quando 1.102 brasileiras foram ouvidas, na sexta rodada da série histórica sobre violência doméstica e familiar contra a mulher. Esse trabalho é feito desde 2005, a cada dois anos, com mulheres de todos os estados do país. Sobre o aumento da violência, os índices permaneceram estáveis quando comparados com os levantamentos anteriores. Com efeito, para 63% das respondentes, a violência doméstica e familiar cresceu; 23% afirmaram que continuou igual e para 13% a violência contra a mulher diminuiu. As agressões físicas ainda são majoritárias entre os tipos de violências praticadas contra as mulheres, uma vez que 66% das vítimas disseram ter sofrido esse tipo de agressão. A violência psicológica registrou crescimento de 10 pontos percentuais – 48%, agora, contra 38%, em 2013. Em contrapartida, houve redução da violência moral – de 39%, em 2013, para 31%, agora. O ciúmes e o consumo de bebidas alcoólicas são os principais desencadeadores das agressões – 21% e 19%, respectivamente.
Apesar de ainda existir quem, por motivos pessoais, opte por não fazer nada, a maior parte das pesquisadas procurou alguma forma de auxílio: 20% buscaram apoio da família, 17% formalizaram denúncia em delegacia comum e 11% denunciaram em delegacia da mulher. As mais agredidas são as que têm menor nível de instrução – 27% entre as que cursaram até o ensino fundamental; 18% até o ensino médio e 12% com curso superior. No universo das que sofreram violência, 26% continuam convivendo com o agressor; 23% sofrem hostilidades semanais e 67% são vítimas de violências raramente.
A ausência de dados específicos e adequados cria obstáculos ao desenvolvimento de boas estratégias de enfrentamento à violência contra a mulher, como apontado no documento TD 196 – As Lacunas no Enfrentamento à Violência contra a Mulher: análise dos bancos de dados existentes acerca da violência doméstica e familiar.
A Lei Maria da Penha, desde sua promulgação, em 2006, estabeleceu a obrigação da inclusão das estatísticas de violência doméstica e familiar contra a mulher nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança. Contudo, ainda não houve êxito na reunião possível de dados sobre a violência contra as mulheres. Assim, políticas e análises que tratam do tema trabalham com dados esparsos, produzidos por distintos setores, como Ministério da Saúde, IBGE, Ministério da Justiça, etc.
Acesso à Justiça
No painel sobre Investigação e Resolução de Crimes Violentos, o Juiz Fernando Mattos, do Conselho Nacional de Justiça, apresentou dados sobre litigiosidade referentes à violência doméstica, baseado no Módulo de Produtividade do Sistema de Estatística de Produtividade do Poder Judiciário – SIESPJ, de preenchimento recente pelos tribunais, somados aos dados do Relatório Justiça em Números.
Segundo o Conselheiro, em 2015 havia 110.211 casos em fase de conhecimento; em dezembro daquele ano, havia 424.765 processos em tramitação aguardando solução definitiva. Isso significa que os casos novos de conhecimento (110.211) representam cerca de um quarto dos casos pendentes de conhecimento (424.765). Houve 112.080 processos baixados na fase de conhecimento.
Afirmou também que os indicadores de Desempenho das Varas exclusivas de Violência Doméstica indicam uma taxa de 71,1% de congestionamento, ou seja, de processos sem solução definitiva em relação ao total de processos que tramitou durante o ano. Também foi registrado um índice de 98% de atendimento à demanda nas Varas, ou seja, o Judiciário foi capaz de baixar mais processos do que o ingressado.
Observou ainda que as Varas exclusivas em violência doméstica e familiar vêm aumentando sua presença nos estados e seu atendimento se estabelece, inicialmente, nas capitais e nas regiões metropolitanas. Ademais, é possível verificar que os Tribunais de Justiça têm optado por distribuir os Juizados especializados em municípios populosos e/ ou que constituem regiões de influência sobre as cidades interioranas.
Ao final do fórum, especialistas irão apresentar sete ideias para reduzir assassinatos no País.