Suicídio: é possível prevenir
Data: 16/01/17
Especialistas alertam para a necessidade de uma rede de ajuda mútua, em busca de soluções que podem ser alcançadas de forma simples: ouvir o colega e falar sobre o assunto – elementos essenciais
O Centro de Valorização da Vida (CVV) chama a atenção para uma das mais graves situações que atinge o mundo todo: o suicídio. Dados do Ministério da Saúde apontam que a média brasileira é de seis a sete mortes por 100 mil habitantes. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 90% dos casos poderiam ser prevenidos se a sociedade deixasse o preconceito de lado. Precisamos falar sobre o assunto!
“Suicídio e autodestruição são temas tabus, ninguém quer falar sobre isso. Quando mencionamos que é um caso de saúde pública, que existem mais mortes desta forma do que por acidentes ou por policiais em serviço, não é um assunto agradável. Parece que, se não falar, é como se não existisse o problema. É necessário admitir sim, o suicídio existe e é um problema de saúde pública”, explica o presidente do CVV, Robert Paris.
Trata-se de uma questão delicada que atinge também o meio policial. Pesquisa da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) aponta que o número de suicídios na PF alcançou a triste marca de 26 policiais em cinco anos.
“Nos últimos cinco anos tivemos um significativo aumento no número de suicídios no Órgão. Isso se deve a falta de uma política de gestão de pessoal. Temos uma atividade (policial) que é considerada a segunda mais estafante do mundo”, explica o vice-presidente da Fenapef e presidente do Sindipol/DF, Flávio Werneck Meneguelli.
Flávio Werneck Meneguelli é vice-presidente da Fenapef e presidente do Sindipol/DF
“Aliado a esse dado temos a proliferação do assédio moral e uma estrutura que não valoriza a meritocracia e o servidor. Temos que buscar soluções: implementar um verdadeiro programa de conscientização dos servidores do DPF; mudar a relação do policial com a Gestão de Pessoal, de inimiga em aliada e; acabar com o ambiente de trabalho hostil, combatendo os assédios, abusos, dando condições dignas de trabalho aos servidores”, conclui Werneck.
Entenda o porquê
O que leva uma pessoa a tirar a própria vida? “Quando recebemos a notícia que alguém próximo, parente, amigo, colega de trabalho, cometeu suicídio, ficamos tocados, emocionalmente atingidos. Procuramos mais informações, tentamos entender o que se passava na vida pessoal e profissional que pudesse levar a isso”, comenta o psiquiatra da Superintendência Regional da Polícia Federal em São Paulo (SR/DPF/SP), Roberto Tonanni de Campos Mello.
"A eclosão da doença mental é um fenômeno multifatorial: entram em jogo fatores biológicos
Marco Alexandre Franco Ribeiro, da Superintendência Regional da Polícia Federal em São Paulo
(hereditariedade, condições físicas, outras doenças associadas, etc.), psicológicos (história de vida, habilidades pessoais, limitações individuais, resiliência, etc.) e sociais (qualidade de vida profissional, familiar, acadêmica, financeira, etc.) Todos esses fatores exercem, em alguma intensidade, influência sobre a saúde mental", explica o psiquiatra Marco Alexandre Franco Ribeiro, da Superintendência Regional da Polícia Federal em São Paulo.
“O suicídio é um processo e não um ápice. Começa com alguns problemas específicos do dia a dia (relacionamento, sexualidade, trabalho, coisas difíceis de conversar), não somente tangíveis”. E completa: “Muitas vezes, a pessoa sente-se mal e não sabe por quê. Não é tão automático pedir ajuda, como por exemplo, ter uma dor no joelho e procurar um ortopedista. Ela tem dificuldade para ir ao psicólogo ou psiquiatra, conversar sobre isso. Tem pudor em falar que está se sentindo mal e não é uma dor física. As ideias autodestrutivas começam com a falta de comunicação”, argumenta Robert Paris.
Para o presidente do CVV, as vítimas precisam saber que podem contar com alguém. “O momento do suicídio sempre tem uma ambivalência. Sempre é uma luta pela sua punção de vida como a punção de morte. O que você quer é viver. Quem se mata não quer se matar, quer matar um sofrimento insuportável, um sofrimento psíquico que não agüenta mais. Quer se livrar disso e às vezes não vê outra alternativa. Mas se tiver com quem dialogar e conversa, sente um alívio. Uma pequena perspectiva diferente, sai em busca pois quer viver, mas não daquele jeito. É esse processo”.
Prevenção
“Cada um de nós pode ser responsável, cada um de nós pode fazer parte desta frente de prevenção ao suicídio. O olhar para outra pessoa. Às vezes não é o falar, às vezes é o olhar e a atitude de acolhimento”, conclama o presidente do CVV, Robert Paris.
Na dificuldade em ajudar, ele orienta: “Algumas pessoas ainda pensam: “puxa vida, uma coisa tão complicada e eu não sei o que vou falar”. Às vezes não precisa falar, você ouve, precisa estar perto. Uma atitude que mostra que “eu estou aqui, você é importante pra mim”, explica Paris.
"É necessário fazer o máximo possível, o que não significa que seja sempre o suficiente. Existem casos também de psiquiatras que ficam abalados porque perderam pacientes. Fizeram de tudo e nem sempre é suficiente”, conclui o presidente do CVV.
Robert Paris, presidente do Centro de Valorização da Vida (CVV)
“Existem pessoas que dentro da própria casa sentem pudor de falar com o próprio pai, com a mãe, com o marido, por causa do estigma, do tabu, do preconceito. Falar que não se sentem bem”, argumenta Robert Paris.
“Muitas vezes você se sente fraco, se sente inferior e não é necessariamente verdade, porque todos nós podemos passar por isso. Se conversarmos mais abertamente sobre nossos transtornos afetivos, problemas emocionais, sobre depressão, percebemos que é mais comum do que parece e, existe ajuda se falarmos. O próprio falar te dá um alívio necessário para não se sentir isolado, e não se isolar”, aconselha Robert Paris.
Artigo do psiquiatra Daniel Martins de Barros para o jornal 'O Estado de São Paulo' menciona: "Aumentar o esclarecimento da população sobre os transtornos mentais e disponibilizar tratamentos eficazes – quanto mais as pessoas conhecem depressão, bipolaridade, esquizofrenia etc., maior a probabilidade de procurar atendimento se necessário. Claro que é fundamental que encontrem ajuda quando procurarem".
Resiliência
Roberto Tonanni de Campos Mello, psiquiatra da SR/DPF/SP
“O suicídio é o desfecho final de um conflito que envolve elementos internos, da própria pessoa, e externos. Muitas vezes, as pessoas culpam aspectos externos, como problemas, no relacionamento pessoal e/ou no trabalho. Porém, um fator determinante para que a pessoa tire a própria vida é a capacidade de suportar e lidar com pressões, frustrações, problemas, por maiores que sejam. A esta capacidade damos o nome de resiliência e ela é desenvolvida desde os primeiros anos de nossas vidas”, explica o psiquiatra Roberto Tonanni.
Isto significa, então, que não há nada que possamos fazer? “De modo algum”, responde Tonanni. “Temos algo que podemos fazer e que se não é uma garantia de sucesso, evitando o suicídio em todos os casos, com certeza salvará muitas vidas. A Força Aérea dos Estados Unidos da América, lidando com este problema, reuniu numa palavra/sigla o que as pessoas podem fazer: ACE que significa ask, care, escort. Podemos passar para o nosso idioma usando P.I.C. pergunte, se importe e conduza”.
“Você que está ao lado daquela pessoa no dia a dia é quem poderá ser o primeiro a perceber que algo não vai bem, está diferente, mudou de alguma maneira. Nessa hora, não deixe de conversar, pergunte, procure saber o que está acontecendo. Agindo assim, você está se importando, se preocupando e procurando cuidar dessa pessoa que você percebeu que está de algum modo sofrendo. Em seguida procure conduzi-lo para um profissional que possa ajudá-lo e se ele estiver se recusando, procure um, você mesmo, e leve-o para conversar com aquela pessoa, leve a ajuda até ele. Agindo assim, estaremos dando início a um processo de ajuda / tratamento que será capaz de evitar muitas mortes”, orienta o especialista.
ARMAS
Todos os especialistas ouvidos são unânimes quanto se trata em restringir o porte de arma para o policial que esteja passando por um problema psicoemocional. Eles defendem que, quanto mais dificultarmos os meios para que uma pessoa tire sua vida, mais tempo há para reflexões, tratamentos e dissipação do impulso suicida.
“Quem está adoecido, nem sempre percebe a importância do recolhimento da arma e vive aquilo como mais uma violência do Departamento”, explica Marco Alexandre Franco. “ O discurso geralmente segue uma linha de que tudo é culpa do Departamento: 'eu adoeci por conta do Departamento e agora que estou doente, o Departamento me tira a arma'. Não concordamos com essa visão maniqueísta. Recolher a arma de alguém com risco de cometer suicídio é uma medida de cuidado, de proteção da vida. Não se trata de punir ou torturar ninguém. O recolhimento se dá, na maioria dos casos, em caráter temporário", complementa.
O psiquiatra conclui: “Quando surge o incontrolável impulso suicida, faz toda a diferença se a arma está facilmente acessível ou bem longe, guardada em outro lugar. Passada a crise suicida, costumamos ouvir um gratificante Obrigado, Doutor! Isso salvou a minha vida!'”
Artigo do psiquiatra Daniel Martins de Barros para o jornal O Estado de São Paulo esclarece bem a questão de restrição ao acesso a meios letais: “Diante do desespero da situação, com a qual não se consegue lidar por conta de um transtorno mental, atos extremos acontecem. Se for fácil ter acesso a formas eficazes de morrer, a chance de o suicídio é maior. Trabalhar armado ou ter arma em casa, não ter rede de proteção nas janelas, lidar com venenos ou drogas, são todos fatores que tornam um ato que talvez fosse impulsivo numa atitude fatal".
CVV
O Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, e-mail, chat e Skype 24 horas todos os dias.
“ É uma Organização com 54 anos de vida. Atende com dois mil voluntários. Entidade essencialmente de voluntários recrutados, treinados. Antes de ir para o atendimento, acompanhados por voluntários mais experientes. Acolher as pessoas que chegam com qualquer tipo de problema, reclamação ou o que quiser falar”, explica Robert Paris.
“Muitas vezes a conversa começa muito leve e se, a pessoa se sente à vontade, acolhida, ela começa a falar disso. Tenho uma ideia de que a vida não vale a pena, e ai começa uma conversa que pode salvar a vida”, completa o especialista.