Tráfico de pessoas: Um perigo que ainda ronda entre nós
(Artigo publicado no jornal A Tribuna no dia 08/08/2019. Autor: Eduardo de Moraes Souto, policial federal e diretor Jurídico do Sindicato dos Policiais Federais do Espírito Santo).
Fonte: Jornal A Tribuna
Data: 09/08/19
Estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) consideram haver cerca de dois milhões e meio de vítimas de tráfico de seres humanos. Este é um assunto de grande relevância mundial, pois criminosos submetem pessoas como mercadorias e abastecem, sobretudo, a quatro mercados ilegais: órgãos e tecidos humanos; mão-de-obra escrava; adoções ilegais; e exploração sexual.
Felizmente, não há notícia do crime envolvendo a mercancia de órgãos e tecidos humanos em terras capixabas, entretanto, não se pode dizer o mesmo das demais modalidades. Apenas a título de exemplo, em 2007, uma falsa enfermeira sequestrou um recém-nascido num hospital de Cariacica. Mais recentemente, em meados de junho de 2018, dez trabalhadores encontrados em situação análoga à escravidão foram resgatados de uma fazenda de café no município de Aracruz.
Quanto ao tráfico de seres humanos para fim de exploração sexual, a sua incidência interestadual é evidente, e mesmo a ocorrência envolvendo a saída da vítima para o exterior é de tamanha relevância que os dados da última década, entre os anos de 2000 a 2009, foram objeto de estudo acadêmico apontando as características de tal modalidade criminosa no contexto capixaba.
O referido estudo constatou haver uma preocupante atuação de quadrilhas interestaduais e internacionais neste Estado, de modo que 29% dos integrantes das organizações criminosas que aqui atuavam residiam em outros países, sobretudo Itália, Suíça, Portugal e Espanha; 14 % dos indiciados residiam em outras Unidades da Federação (RJ, SP, MG, BA e GO).
Dentre as vítimas havia pessoas de orientações sexuais e idades distintas, porém, em sua maioria, foram mulheres, jovens, residentes em bairros humildes das cidades de Serra, Colatina, Vila Velha e Vitória ou do interior do Estado de Minas Gerais. Elas eram aliciadas dentre o ciclo de parentela ou de convivência das aliciadoras.
Algumas poucas vítimas tinham ensino superior completo e, em sua maioria, sabiam que seriam prostituídas, entretanto, sempre eram ludibriadas quanto aos valores envolvidos na viagem e quanto aos acréscimos e juros que tornavam impossíveis de serem quitadas as dívidas artificialmente contraídas, deixando-as em situação análoga a de escravas sexuais em países estrangeiros.
O estudo constatou que 60% das pessoas que perpetraram o crime tinham sido vítimas do mesmo delito em sua juventude. Após a vítima atingir certa idade as quadrilhas as realocavam para a condição de aliciadoras, facilitadoras ou transportadoras da organização criminosa. Esta oferta lhes parecia muito atraente, pois estavam em países estrangeiros, fora do mercado formal de trabalho e sem experiências profissionais válidas. Por outro lado, tinham a oportunidade de lucrar com conhecimentos e contatos nos pontos de exploração da prostituição, para onde poderiam enviar, mediante alguma ínfima porcentagem, novas vítimas seduzidas pelas mesmas histórias as quais sabiam de cor.
Em razão da grande incidência constatada na década passada e conhecendo as variáveis que permeiam a margem obscura de crimes não solucionados ou que se quer vêm a conhecimento das autoridades, é custoso crer que tal prática tenha cessado no Espírito Santo, ficando aqui o alerta para que os nossos jovens não se deixem seduzir por ilusórias propostas do outro lado do Atlântico ou em qualquer parte do mundo.