Críticas de diretores da Fenapef ao relatório sobre o novo CPP repercutem na mídia

Fonte: Blog do Elimar Côrtes

Data: 29/04/21

O relator da Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisa mudanças no Código de Processo Penal (CPP), deputado João Campos de Araújo (Republicanos/GO), apresentou no dia 13 de abril de 2021 um novo parecer ao Colegiado, substituindo o apresentado por ele em 2018. O texto com 247 páginas incorpora a análise de cerca de 30 novas propostas apensadas ao Projeto de Lei original (PL 8045/10) que saiu do Senado em 2010. No total, são 364 apensados.

O relatório do deputado João Campos, que é delegado de Polícia Civil em Goiás, está provocando inúmeras polêmicas. Entidades de classe de profissionais da segurança pública e do Ministério Público Brasileiro afirmam que a proposta de Campos é mais “burocrática” e deixa “menos eficiente” uma investigação policial e “concentra mais poder” aos ocupantes do cargo de delegados, “contribuindo, assim, para aumentar a impunidade e ampliar a violência”.

Na terça-feira (27/04), a Associação Nacional do Ministério Público (Conamp), a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), a Associação dos Procuradores do Trabalho (ANPT), a Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (AMPDFT), e a Associação Nacional do Ministério Púbico Militar (ANMPM) enviaram ao relator da reforma do Código de Processo Penal (CPP), PL 8045/2010, deputado João Campos, um estudo técnico sobre o relatório preliminar apresentado por ele.

No documento, as entidades do Ministério Público Brasileiro destacam 48 pontos de discordância em relação ao relatório. Ao divergirem, explicitam os argumentos e indicam sugestão de alteração.

No dia 15 de abril, o Gabinete Integrado dos Profissionais de Segurança Pública e do Ministério Público Brasileiro se manifestou publicamente sobre o Parecer apresentado pelo deputado João Campos. Deste ‘Gabinete’, fazem parte o Ministério Público e entidades de todas as forças de segurança pública, menos os representantes dos delegados das Polícias Federal e Civis Estaduais, que nunca foram convidados para integrar o grupo.

Diz a manifestação que “neste momento de pandemia provocada pela COVID 19, em que os Poderes Constituídos estão voltados para salvar vidas da população e não há possibilidade de discussão ampla e democrática na Câmara dos Deputados sobre tema tão relevante e caro à sociedade brasileira, a proposta se apresenta, primeiramente, como absolutamente inoportuna”.

No mérito, prossegue a nota, observa-se que, ao invés de trazer à apreciação uma proposta de modernização e agilização da investigação criminal e, por consequência, do processo penal, “o Relator, mais uma vez, apresenta um projeto de manutenção do status quo, com ainda mais burocracia, menos eficiência investigativa e mais poder concedido a um único cargo que, por coincidência, é o mesmo por ele originalmente ocupado.”

O texto, segundo a nota do Gabinete Integrado dos Profissionais de Segurança Pública e do Ministério Público Brasileiro, chega a retomar questões já superadas pelo Supremo Tribunal Federal, “como a do amplo poder de investigação do Ministério Público, reduzindo-o a um caráter meramente suplementar e afastando-se, assim, dos parâmetros de constitucionalidade e dos melhores padrões internacionais. Também interfere no poder de investigação de outras importantes instituições”.

No tema, sustenta a nota, “não há dúvida de que a sociedade anseia por modernização do ineficiente e arcaico modelo de investigação em vigor. Em vez de equiparar o Código de Processo Penal aos mais avançados do mundo, o parecer mantém a persecução criminal brasileira amarrada ao passado, presa à época da origem da própria República”.

De acordo com o Gabinete Integrado dos Profissionais de Segurança Pública e do MP, o parecer do relator João Campos “concentra o poder em poucas mãos e dificulta o trabalho de policiais e representantes do Ministério Público e do Poder Judiciário, apenas contribuindo, assim, para aumentar a impunidade e ampliar a violência”. A nota é assinada pela seguintes entidades:
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA (ANPR); ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CONAMP); FEDERAÇÃO NACIONAL DOS POLICIAIS RODOVIÁRIOS FEDERAIS (FENAPRF); FEDERAÇÃO NACIONAL DOS POLICIAIS FEDERAIS (FENAPEF); CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TRABALHADORES POLICIAIS CIVIS (COBRAPOL); CONSELHO NACIONAL DE COMANDANTES-GERAIS DAS POLÍCIAS MILITARES E CORPOS DE BOMBEIROS MILITARES DO BRASIL (CNCG); FEDERAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES DE OFICIAIS MILITARES ESTADUAIS (FENEME); FEDERAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES REPRESENTATIVAS DE PRAÇAS POLICIAIS E BOMBEIROS MILITARES DOS ESTADOS E DISTRITO FEDERAL (ANASPRA); ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CRIMINALISTICA (ABC); ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PERITOS CRIMINAIS FEDERAIS (APCF); LIGA NACIONAL DOS BOMBEIROS (LIGABOM); ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADE DE MILITARES ESTADUAIS (ANERMB); ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MILITARES ESTADUAIS DO BRASIL (AMEBRASIL); FEDERAÇÃO SINDICAL NACIONAL DE SERVIDORES PENITENCIÁRIOS E POLICIAIS PENAIS (FENASPPEN); ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE ESCRIVÃES DE POLÍCIA FEDERAL (ANEPF); e SINDICATO DOS POLICIAIS FEDERAIS NO DISTRITO FEDERAL (SINDIPOL/DF).

De acordo com os dirigentes, todos os integrantes do Sistema de Segurança Pública e do Ministério Público Brasileiro, que subscrevem a nota, se posicionam de forma veementemente contrária ao relatório apresentado.

“Faremos todos os esforços para que a matéria não seja votada nas atuais condições excepcionais e, em caso de sua votação, para que seja modificado o relatório apresentado, em busca da construção de um texto que atenda realmente aos desejos e necessidades da sociedade brasileira”, diz a nota.

“Ressalta-se, que depois de mais de uma década de discussões, debates e sugestões, era de se esperar por avanços no tema, com a superação da crise de eficiência da investigação criminal, e não o reforço de posições manifestamente corporativistas, em proposta de segurança pública, que apenas atende aos interesses de um único cargo da instituição policial, em detrimento de toda a população”, encerra a nota.

Em 2013, a população brasileira saiu às ruas para lutar contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC nº 37), que, se fosse aprovada, o poder de investigação criminal seria exclusivo das Polícias Federal e Civis, retirando esta atribuição de alguns órgãos e, sobretudo, do Ministério Público. Na sessão do dia 25 de junho de 2013, a PEC 37 foi arquivada pelo plenário da Câmara dos Deputados. A proposta foi derrubada por 430 a nove.

O relatório do deputado João Campos, porém, afirmam os críticos, ressuscita a PEC 37. Para o diretor Jurídico da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Flávio Werneck, um dos dispositivos das proposta de João Campos diz que o Ministério Público investiga “apenas” de forma suplementar.

“Isso contraria o enunciado e o julgamento do Supremo Tribunal Federal e é muito próximo da PEC 37 já rejeitada pela Câmara Federal. Para o relator João Campos, o MP só poderia investigar em se provar a inércia da Polícia Judiciária ou em casos muito específicos, o que é lamentável”, disse Werneck.

Para o diretor Jurídico da Fenapef, esse dispositivo inserido no relatório do deputado-delegado João Campos encerraria e proibiria todas as dimensões e versões da Operação Lava Jato e a enorme maioria das investigações dos Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaecos), dos Ministérios Públicos Estaduais) em todo o País.

“Nós entendemos que tal proposta é claramente inconstitucional, pois o STF já declarou e enunciou que a atribuição do MP em investigar deriva do próprio texto constitucional, pois é poder implícito à titularidade da ação penal. Não deixa de ser um injustificável e inexplicável retrocesso contudo”, pondera Flávio Werneck.

O dirigente da Fenapef faz outra observação e cita o artigo 240 da proposta de João Campos. Diz o artigo 240: “O juiz ou o delegado não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte”. Flávio Werneck indaga: “O delegado agora será juiz?”.

O presidente do Sindicato dos Policiais Federais no Espírito Santo (Sinpef/ES) Marcus Firme dos Reis, considera também um “absurdo” o fato de um deputado João Campos apresentar um relatório que propõe mudanças no Código de Processo Penal com viés corporativo:

“A hora seria de se apresentar propostas de modernização do CPP, que é muito importante para os Sistemas de Segurança Pública e de Justiça. Em vez disso, o deputado, que também é delegado, apresenta um relatório recheado de corporativismo em relação ao cargo de delegados de Polícia em detrimento do que é melhor para a sociedade brasileira”, disse Marcus Firme.

“Ele (João Campos), como deputado e delegado, reconhece as mazelas da segurança pública e sabe muito bem o que é necessário para modernizar a Polícia Judiciária e o Código de Processo Penal”, lembrou Marcus Firme.

O diretor Jurídico da Fenapef, Flávio Werneck, faz outras observações do relatório apresentado pelo deputado João Campos, que, segundo ele, poderia mudar a atual estrutura da Polícia Judiciária brasileira, “que é arcaica e burocrática”.

Para o dirigente, em vez de investigar crime no local do fato, os policiais brasileiros levam “tudo para uma delegacia”. Por isso, ressalta Werneck, a efetividade de solução de crimes contra a vida no Brasil, por exemplo, é de 8% na maioria dos Estados:

“Enquanto em outros países os modelos policiais são modernos e mais eficientes, no Brasil se vive uma verdadeira distopia. Em nosso País, a polícia privilegia a fabricação de papéis”, diz o diretor Jurídico da Federação Nacional dos Policiais Federais.

No entender de Flávio Werneck, num Estado onde a Superintendência Regional da Polícia Federal trabalha com 150 policiais – em todos os cargos –, por exemplo, a proposta do deputado João Campos afunila as investigações, pois torna o delegado na figura de “controlador da investigação”.

Assim, diz Werneck, em vez de ter 150 policiais atuando em investigações, a Superintendência contaria apenas com 15 profissionais, que seriam os delegados. Um retrocesso”.

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