Por trás do glamour da Lava-jato, há outra Polícia Federal que pede socorro

Data: 14/05/16

Por Talis Mauricio

robson Policial Federal Robson Carneiro

‘Se eu tivesse a possibilidade de adivinhar como seria a Polícia Federal no momento em que eu entrei, eu te confesso que eu teria feito um outro concurso, menos entrar para a Polícia Federal’.

O relato do policial federal aposentado Robson Carneiro expõe o sentimento de boa parte dos 12 mil profissionais da corporação. Se tivessem oportunidade, mais de 50% dos agentes deixariam o órgão, segundo dados da Federação Nacional dos Policiais Federais, a Fenapef.

Desilusão alimentada pela convivência com equipamentos quebrados e sem manutenção, falta de funcionários e projetos estratégicos para a segurança nacional parados. O chamado lado B da Polícia Federal, que normalmente fica fora do noticiário, desmotiva e só entre 2013 e 2014 fez 250 policiais pedirem demissão. Algo preocupante, de acordo com o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Carlos Eduardo Sobral.

‘Nós temos extrema dificuldade para conseguir recursos para montar as equipes de investigação. Isso causa a suspensão do trabalho investigativo ou atrasos na investigação. Algo que poderia ser concluído em 6 meses ou 1 ano demora, às vezes, até 2 ou 3 anos. A única forma de garantirmos que a Polícia Federal tenha condições de combater o crime e a corrupção é através da sua autonomia, o que está previsto na Constituição’, diz Carlos Eduardo Sobral.

Neste ano, o orçamento da Polícia Federal para investimentos nas investigações é de cerca de R$ 1 bilhão. Em 2011, o montante girava em torno de R$ 1,8 bilhão, encolhimento de quase 50% na verba atual.

A reportagem CBN conversou com policiais que atuam nas fronteiras do Mato Grosso do Sul, Paraná, Rondônia e Rio Grande do Sul com países vizinhos. Em todos os postos há relatos de carros quebrados ou parados sem combustível e baixo efetivo para enfrentar o tráfico de drogas, contrabando e imigração ilegal. Em algumas unidades há falta de uniformes e coletes balísticos prestes a vencer sem previsão de novas compras.

vicentine1 Policial Federal Augusto Vicentine, Presidente do SINPEF/PR

No Porto de Paranaguá, no Paraná, as lanchas de fiscalização estão encostadas. A reportagem CBN recebeu fotos de agentes que mostram equipamentos amontoados em um galpão, acumulando poeira, bem como do alojamento do local que sequer tem roupa de cama para os hóspedes. Já em Cascavel, o principal programa do governo federal para monitorar as fronteiras, o Vant, Veículo Aéreo Não Tripulado, está parado há mais de um ano, como conta o agente aposentado e presidente do sindicato local, Fernando Vicentine.

O Vant pode voar a 5 mil metros de altura e tem capacidade para câmeras com infravermelho para monitorar toda a área de fronteira, desde o Mato Grosso até Santa Catarina. E está parado na região de Cascavel, não sai para fazer uma operação por falta de recursos, por sucateamento mesmo, falta de contrato de manutenção, falta de gestão’, explica Vicentine.

Mesmo com as péssimas condições de trabalho, os agentes reclamam da cobrança por parte dos superiores, o que gera um alto índice de estresse, depressão e ansiedade dentro da corporação. Um levantamento da Fenapef junto à Universidade de Brasília, que ouviu mais de 2 mil policiais federais, mostra que cerca de 30% dos servidores tomam algum tipo de medicamento ou já foram afastados por problemas psicológicos. Nos últimos cinco anos, das 47 mortes de agentes registradas, 26, mais da metade, foram por suicídio. Um índice que assusta o presidente da federação, Luis Antônio Baudens, e que está relacionado ao assédio moral pelo qual passam os profissionais.

boudens 1 Policial Federal Luis Boudens, Presidente da FENAPEF

A sobrecarga de trabalho e a falta de perspectiva profissional foram apontados como os fatores mais significantes dessa ocorrência, aliado à questão de perseguição interna. Nós temos um exemplo em Vilhena, no Estado de Rondônia, onde quatro policiais de uma só vez pediram afastamento por motivo psicológico por causa da má atuação de um chefe daquela unidade’, afirma Baudens.

Robson Carneiro, o policial do início da reportagem, passou pelo mesmo problema. Foram 11 anos atuando como papiloscopista em Juiz de Fora, Minas Gerais. A aposentadoria saiu há menos de seis meses. Um alívio! Foram anos e anos trabalhando mais do que o previsto na legislação trabalhista, atendendo sozinho 300 cidades da região, longe da família e sem o entendimento da chefia.

Eu sofri assédio moral e cheguei também a tomar medicação por conta desse assédio moral. Havia um excesso de trabalho e mesmo eu dizendo que não tinha pessoas suficientes, a chefia achava muitas vezes que aquilo era um desafio, uma afronta. O conselho que eu dou é o seguinte: não achem que a Polícia Federal é aquilo que se mostra na imprensa, esse glamour. As pessoas que estiverem buscando o seu reconhecimento, valorização, não irão encontrar na Polícia Federal’, diz Carneiro.

Em nota, o Ministério da Justiça afirmou que é um compromisso valorizar a Polícia Federal e que já apresentou propostas de melhorias e de recomposição salarial aos servidores. A Polícia Federal não respondeu aos questionamentos da reportagem.

lanchas-paradasjpg_295x165 Lanchas de fiscalização estão paradas em galpão do Porto de Paranaguá, no Paraná; sem manutenção, equipamentos estão quebrados e acumulando poeira. Crédito: Sindicato dos Policiais Federais no Paraná

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