Por que o fim da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba prejudica as investigações

Data: 08/07/17

“Quem conhece estrutura da polícia está preocupado com essa mudança”, afirma Luís Antônio Boudens, presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais.

A Polícia Federal acabou nesta semana com o Grupo de Trabalho da Operação Lava Jato, criado em Curitiba em 2014 para atuar exclusivamente nas investigações do esquema de corrupção em torno da Petrobras. Com a mudança, o grupo passa a integrar a Delegacia de Combate à Corrupção e Desvio de Verbas Públicas (Delecor). Na prática, delegados e outros policiais perderam exclusividade para a Lava Jato e passarão a atuar em outros inquéritos, paralelamente. Os inquéritos referentes ao esquema de corrupção também serão distribuídos para outros delegados da Delecor, que tem 16 delegados. Especialistas veem a medida como parte de um "desmonte" da Lava Jato, orquestrado pelo governo, para enfraquecer as investigações. Na operação, o presidente Michel Temer é denunciado por corrupção passiva. Isso porque agora as investigações seguirão um rito normal, o que aumenta a burocracia e pode tornar o processo mais. A forma de força-tarefa, por ser um grupo especial, tem uma integração maior entre Polícia Federal e Ministério Público e menos burocracias, o que agiliza as investigações, de acordo com o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luís Antônio Boudens.
O afastamento do Ministério Público vai fazer com que o trâmite de documentos seja mais demorado e vai acontecer o que acontece habitualmente porque os inquéritos nossos são lentos, com tramitação burocrática por demais.
Estudo da Fenapef publicado há dois anos mostra que apenas 4% dos inquéritos são convertidos em denúncia. "As operações estão nos 2% que geram denúncia e condenação porque a operação ganha um formato diferenciado e dá celeridade", afirma Boudens. Para o presidente da Fenapef, é preciso ficar de olho no andamento da Lava Jato no próximo mês e acompanhar o comportamento dos gestores locais das investigações do esquema em outras unidades da Federação, como Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo.
Quem conhece a estrutura da polícia está preocupado com essa mudança. Os fatos que a Lava Jato descortinou são muito graves por envolver políticos e gestores. Merece toda cautela e está espalhada pelo Brasil, gerou outras investigações.Luís Antônio Boudens, presidente da Fenapef
De acordo com Boudens, a boa notícia é que na atual fase da Lava Jato há muitos documentos a serem analisados e isso é feito pelo chamado "núcleo duro" de investigadores, que será mantido. Os principais atingidos pela mudança serão os delegados, que atuam na parte mais formal. Os procuradores do Ministério Público Federal que atuam na Operação Lava Jato criticaram o fim da força-tarefa. "O efetivo da Polícia Federal na Lava Jato, reduzido drasticamente no governo atual, não é adequado à demanda. Hoje, o número de inquéritos e investigações é restringido pela quantidade de investigadores disponível", diz nota enviada pela Procuradoria da República no Paraná. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) também recebeu com preocupação a separação.
A diminuição da força e das horas de trabalho da equipe até agora designada com exclusividade para atuar na maior investigação de combate à corrupção do país pode representar um retrocesso indelével para a operação mais extensa e importante de combate à corrupção do País.

Outro lado

À Fenapef a Direção-Geral da PF informou que não houve interferência do governo e que a decisão foi regional. Em nota oficial, a PF nega que a Lava Jato esteja em processo de desmonte e afirma que a fusão visa "priorizar ainda mais as investigações de maior potencial de dano ao erário". O texto destaca que a medida "permite o aumento do efetivo especializado no combate à corrupção e lavagem de dinheiro e facilita o intercâmbio de informações". Em entrevista coletiva na última quinta-feira (6), o delegado-chefe daDelecor, Igor Romário de Paula, disse que os policiais envolvidos diretamente nas investigações devem sentir pouca diferença e que não houve nenhuma determinação específica por parte da direção da Polícia Federal, em Brasília.

Mega investigação

Na Lava Jato, foram realizadas 844 buscas e apreensões em 41 fases. Na primeira fase, foram mais de 80 mil documentos. São rastreadas, hoje, mais de 21 milhões de transações que envolvem mais de R$ 1,3 trilhão, de acordo como Ministério Público. Foram recuperados mais de R$ 10 bilhões e mais de 280 pessoas foram acusadas por crimes graves como corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Em Curitiba, são cerca de 100 inquéritos ainda abertos nas apurações do escândalo Petrobrás. Há a expectativa da chegada das delações do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso desde outubro, e de Lúcio Funaro, identificado como operador do peemedebista e também detido. As novas informações devem atingir diretamente o PMDB da Câmara, ligado ao presidente Temer, e a cúpula do governo, incluindo os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência).

Desmonte

O temor por um desmonte da Lava Jato foi agravado após a troca de comando no Ministério da Justiça, responsável pela Polícia Federal. O titular da pasta, Torquato Jardim, chegou a defender uma mudança na PF, mas recuou após a repercussão negativa. Em maio, a Polícia Federal reduziu a equipe destacada para a força-tarefa da Operação Lava Jato, em Curitiba, e cortou um terço do orçamento, de acordo com o jornal O Estado de São Paulo. O Ministério da Justiça destinou para a Lava Jato e para a Superintendência da Polícia Federal do Paraná R$ 20,5 milhões – R$ 3,4 milhões para os gastos extras da operação – ante os R$ 29,1 milhões de 2016 – dos quais R$ 4,1 milhões especificamente para a Lava Jato –, uma queda de 29,5%. Além da redução, houve contingenciamento de 44% da verba destinada para a corporação. Os recursos são usados, por exemplo, para pagar diárias e fazer diligências. No ano passado, os agentes do Paraná fizeram 52 operações, sendo 16 da Lava Jato. Neste ano, a Superintendência fez, até 31 de março, oito operações, apenas duas das quais relacionadas às investigações do esquema de corrupção. HuffPost

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