A Polícia no País dos Juristas

Data: 27/06/17

Por Carlos Arouck [i]

Primeiramente, antes de começar o texto, quero fazer minha defesa prévia dizendo que não sou jurista, muito menos “especialista”, apenas um curioso nesta área que labutei por muitos anos. Ao longo dos anos, pude observar que o país dos juristas e especialistas falhou enormemente na segurança jurídica e na defesa da sociedade e sua proteção.

Dizem que o Judiciário é o último bastião da Democracia; dizem também que o Ministério Público é o fiscal da lei, da ordem jurídica, do regime democrático e  dos interesses indisponíveis da sociedade, mas na verdade, o verdadeiro garantidor das liberdade individuais e coletivas, da proteção do patrimônio público e privado, da garantia da livre manifestação e da ordem pública, é a Polícia.

Civil, militar ou federal, a Polícia sofre, há tempos, de problemas estruturais, de falta de credibilidade, e de desgaste em sua imagem.  Vem sendo maltratada pela mídia e detestada pela população. É uma das profissões mais estressantes e criticadas. Muitas manifestações pedem, por exemplo, o fim da Polícia Militar. Com certeza, a organização pode mudar de uniforme, mudar de nome, mudar a hierarquia interna, mas a Força que a substituir vai continuar usando armas, spray de pimenta, bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. A Polícia Legislativa, por exemplo, faz uso dos mesmos artefatos. A civil enfrenta problemas corporativos com a militar. Essas desavenças, que não trazem nada de positivo, poderiam ser atenuadas se houvesse a unificação policial, solução que sempre defendi. O resultado seria um maior investimento nas áreas de inteligência, de formação e de equipamentos, com troca de informação facilitada entre todos os integrantes. Uma polícia civil/militar mais eficiente no combate ao crime, atendendo aos apelos da sociedade. Enquanto as forças continuarem brigando entre si para saber quem vai fazer isso ou aquilo, os criminosos também continuarão se beneficiando com essas divisões.

A Federal, polícia investigativa de ciclo completo, passa por graves divisões internas, entre delegados e agentes. A investigação, plataforma maior da polícia investigativa, envolve conhecimentos acadêmicos diversificados. Nas auditorias financeiras, nos crimes de colarinho branco ou de corrupção, existe a necessidade premente de policiais com saber em áreas específicas. Não se precisa de bacharéis em Direito. São necessários psicólogos para desvendar determinados crimes, economistas, engenheiros, analistas de sistemas… formações dos agentes. Os delegados são formados em Direito. Talvez por isso, sintam-se à vontade para exigir a equiparação aos procuradores. Os delegados não querem abrir mão das investigações, mas querem ser da carreira jurídica, uma incompatibilidade. Há tentativas na Justiça, ainda sem sucesso, de equiparar a carreira de delegado de polícia a carreiras jurídicas do estado, principalmente por questões salariais, uma vez que os delegados iriam buscar a isonomia de benefícios do Ministério Público e da Defensoria Pública.

Por outro lado, os Procuradores e os Promotores querem ser investigadores. O Ministério Público, inclusive, comprou recentemente três sistemas de escuta telefônica e armazenamento de dados das interceptações, o conhecido Guardião. Solicitaram ao CNMP - Conselho Nacional do Ministério Público - treinamento. No entanto, eles são formados em Direito, tem saber jurídico, mas não são profissionais com experiência em investigação, área multidisciplinar. A busca da PGR pela concentração de poderes ignora a repartição constitucional de atribuições, e leva a investigações tendenciosas, que nada beneficiam a sociedade. Ao criar uma disputa entre carreiras jurídicas igualmente importantes, promove o distanciamento de instituições que deveriam caminhar lado a lado.

Uma boa opção para solucionar a crise de segurança pública seria dividir o ônus da segurança com os municípios, criando a Polícia municipal com  ciclo completo, que se reportaria diretamente com o MP local. O prefeito ficaria livre para planejar a segurança do seu município sem depender do Estado, que muitas vezes não tem recursos para a proteção da sociedade local. Há municípios bem mais ricos que o próprio e Estado; no entanto, esse ônus cabe somente a ele, Estado.

Outra solução imediata é a criação das centrais de polícia, onde a Polícia Militar e a Polícia Civil compartilhassem o mesmo ambiente de trabalho, tendo cada polícia a sua atribuição respeitada, já que a unificação não é ainda viável e é longa a espera das dezenas de projetos no Congresso pela unificação das mesmas. As centrais de policias teriam como chefia um delegado de polícia e seu adjunto um oficial da PM. A consequência disso seria a o início de uma convivência entre as polícias; a racionalização dos recursos, como viaturas da mesma cor, com o mesmo centro de manutenção etc.

Para encerrar: a situação está realmente feia. Chegamos a um ponto em que a polícia finge que prende, a justiça finge que condena e o bandido finge que cumpre pena. Só a vítima é que não precisa fingir nada, pois sofre todo tipo de abuso calada e com a certeza da impunidade, sem direitos, sem amparo, correndo risco de morte se resolver lutar contra seus algozes. Os criminosos, fortemente armados, estão cada vez mais violentos e nem sempre se contentam em tirar os bens, querem a vida. Todo esse contexto ainda dentro de uma conjuntura em que a Polícia Judiciária corre o risco de ser extinta devido a tentativa do Ministério Público de se apropriar de sua atribuição investigativa. No País dos Juristas o Brasil não tinha de dar certo mesmo.

Termino citando Martin Luther King Jr. “A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça por toda parte”.


[i] Carlos Henrique Arouck, Agente de Polícia Federal, é formado em Direito e Administração de Empresa com especialização em gerenciamento empresarial e cursos na área de chefia e liderança.

Arouck foi instrutor da Academia Nacional de Polícia, trabalhou com segurança de dignitários, esteve presente nos maiores eventos do País desde a ECO 92, participou de várias audiências, seminários e palestras sobre segurança pública. Foi adjunto na Embaixada da França. Hoje é consultor de cenários políticos e na área da segurança pública , mantém um blogue com perfil independente e é um dos fundadores do Movimento Brasil Futuro (MBF), que propõe uma reforma evolutiva do Estado entre outros.

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