O Faroeste Brasileiro

Data: 24/02/17

O-Faroeste-Brasileiro-saga-policialProfissionais engajados na promoção da justiça no interior do Pará se deparam com muitos percalços. A distância da família, dos grandes centros urbanos do país, e da cultura da cidade natal não são um sofrimento maior que a frustração de não conseguir realizar mudanças significativas em uma região abandonada pelo Poder Público.

O Conflito Agrário e a Pistolagem são dois dos maiores problemas que assolam a região. Além da articulação com classes dominantes e influência em órgãos públicos, os coronéis contam também com uma grande lacuna na lei e com um poder de fogo difícil de ser inibido devido à vegetação e dificuldade de acesso às áreas.

Primeiramente, os grileiros e fazendeiros acreditam veementemente que ilegalidades por ventura cometidas por eles são apenas de responsabilidade do Governo Federal, que não cumpriu as promessas oferecidas no povoamento dessas terras longínquas. De fato, as atividades ilegais se desenvolveram à medida que pessoas do Sul e Sudeste chegaram e não viram a estrutura prometida para realizar a pecuária, extração, minério, dentre outras.

Numa tentativa de concerto, diversas concessões de alienação de terras públicas, os chamados CATP’s, foram suspensos de forma não planejada e as áreas foram redistribuídas para pessoas desalojadas, sem moradia. Tal fato gerou, por exemplo, os assentamentos do INCRA, que ameaça a propriedade daqueles que ocuparam a região outrora.

Simploriamente, isso provocou o Conflito Agrário em diversas regiões do estado do Pará. Percebe-se que a atuação policial se torna difícil nesses casos, pois se tratam de conflitos possessórios, no âmbito cível, limitando ações criminais. Quando se chega no âmbito policial, geralmente se refere a cumprimento de mandados judiciais para reintegração de posse. Infelizmente, convenci-me que isso apenas será resolvido com iniciativa de órgãos públicos, como o INCRA, e trâmites judiciais, uma vez que a aplicação do Art.20 da Lei 4.947, que trata da Reforma Agrária e Invasão de Terras, torna-se inaplicável, embora seja uma brecha legal que permita a atuação policial em impasses cíveis.

Contudo, a crença de que as terras pertencem a eles unida ao domínio do poder econômico da região faz com que fazendeiros se vejam no direito de zelar pelas terras que, muitas vezes, são Terras Públicas Federais que foram objetos de grilagem. Isto é, a ação de estender sua área à alheia e falsificar documentos públicos para ocultar o ato ilegal. E, para defenderem sua “propriedade”, armam pessoas e as colocam de vigília na entrada ou sede das fazendas: os chamados Pistoleiros.

Os Pistoleiros consistem em grupos de pessoas armadas que fazem a segurança dos fazendeiros, protegem as terras que eles dominam, e resguardam os seus interesses, como em ameaças de despejos a colonos que têm barracos em áreas adjacentes. Nota-se também uma banalização da vida, visto que eles matam pessoas deliberadamente.

Neste contexto, vislumbra-se a atuação policial, uma vez que, agora sim, os embates incorrem em crime. Porém, o que se vê são deslizes de atribuição dos órgãos públicos federais, isentando-se de sua parcela de responsabilidade diante das tensões existentes. No que diz respeito aos órgãos públicos locais, são bastante inatuantes, quando não praticam corrupção.

Por exemplo, a Polícia Federal é o órgão que regula as atividades de Segurança Privada, como transporte de valores, plano de segurança bancário, e exercício de vigilantes. Logo, a pistolagem fere as atribuições reguladoras dessa instituição, já que consiste, formalmente, em Segurança Privada Clandestina. Além disso, o fato de essas atividades serem realizadas muitas vezes em terras públicas federais envolve bens da União, tutelados pela Polícia Judiciária da União. Há também o fato de essas pessoas atuarem em grupos, o que pode ser enquadrado na Lei 12.850, de Organização Criminosa; e serem famosas pelo modus operandi, atentando contra os direitos humanos com repercussão interestadual.

Não obstante, depara-se muito com argumentos de que flagrantes desses tipos só podem ser tipificados em ameaça ou vários portes ilegais de arma de fogo, transferindo a responsabilidade de atuação para órgãos locais. Enfim, a miopia de não encarar os acontecimentos diários como fenômenos sociais amplos, ou fragmentos de uma articulação maior, ainda é um mal que caberá à História reduzir em nosso povo. Enquanto isso, as mudanças imediatas são possíveis com apenas uma virtude: vontade.

Assim, entende-se que o grande diferenciador que supre as lacunas das leis é a vontade das pessoas que vão para essas regiões exercerem prerrogativas em órgãos de controle, fiscalização, policial e judicial. Afinal, os representantes do governo são objetivamente a “presença do Estado” que tanto é cobrada como propulsora da transformação nessas regiões.

Lamentavelmente, o que muito se vê são pessoas de ‘passagem’, sem se preocupar em promover mudança; ou amedrontadas pela falta de aparato e possibilidade de perseguições, o que permite a continuidade do sistema de poderio estabelecido. Enquanto a vontade de trabalhar não se sobrepor aos poucos recursos que se tem, nada acontecerá. E voltaremos para nossas casas sem ser lembrados. Esse é meu único medo!

Este texto é em homenagem aos colegas de Altamira/PA, que padecem dessas restrições de atuação mesmo com todo o gás impetrado na promoção da justiça, em especial Renato Zavarez e Augusto Gabriel.

*Sinval Batista, colunista do Saga Policial, é Agente de Polícia Federal, bacharel em Administração pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes, pós-graduando em Inteligência Competitiva e Contrainteligência Corporativa, e Representante Sindical.

OUTRAS NOTÍCIAS

Gigantes do crime

Presidente da Fenapef debate Reforma da Previdência em audiência pública...

Para a CUT, recuo de Temer é insuficiente: 'Queremos retirada do projeto'

Meirelles descarta medidas para compensar mudanças na Previdência