Delegado cobra apuração de vereador após críticas à PF no caso da UFSC

Data: 13/08/18

Reitor da universidade se matou após ter sido preso em operação federal

A Associação de Delegados da Polícia Federal pediu a abertura de investigação contra um vereador de Niterói (RJ) por causa de críticas feitas por ele à operação da PF que apurou supostos desvios de verba na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

O pedido ocorreu por meio de ofício enviado pelo presidente da ADPF, Edvandir Felix de Paiva, à Câmara de Municipal da cidade. No documento, ele alega suposta falta de decoro do vereador Sandro Mauro Lima de Araújo (PPS).

O vereador, que é agente da Polícia Federal da ativa e crítico frequente da atuação dos delegados da PF, usou a rede social para criticar a operação Ouvidos Moucos. A ADPF também protocolou uma representação da mesma natureza na corregedoria da Polícia Federal na qual pede providências após essas manifestações. Araújo será candidato ao cargo de deputado federal.

A Ouvidos Moucos foi deflagrada no final do ano passado prometendo desvendar um esquema milionário de desvio de verbas de bolsas de estudo na UFSC. Em setembro, a PF prendeu o reitor da universidade, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, e outros seis professores. No mês seguinte, Cancellier se jogou do sétimo andar de um shopping de Florianópolis. A investigação não conseguiu provar que Cancellier tivesse se beneficiado de um esquema nem apontou desvios milionários.

O documento enviado pela ADPF à Câmara diz que Sandro Araújo publicou "críticas levianas, ofensivas e desarrazoadas feitas contra os gestores da Polícia Federal em rede social aberta ao público, fora dos limites de atuação como parlamentar municipal".

O ofício cita uma decisão do STF para dizer que Araújo, ao criticar uma operação que havia acontecido fora de Niterói, extrapolou os limites de sua atuação parlamentar, restrita ao território do município. O vereador publicou suas opiniões no grupo Plantão Enfoco, no Facebook. "Minha prece hoje é por Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reitor da UFSC que tirou a própria vida após ser preso de forma injusta, arbitrária e equivocada pela Polícia Federal."

O parlamentar fez referência à delegada responsável pela prisão do reitor, Erika Mialik Marena, que antes de ser transferida para Florianópolis integrou o grupo da Lava Jato em Curitiba. "A responsável pelo erro crasso não foi tocada e segue em sua carreira", diz o texto.

A delegada Erika foi a primeira colocada na votação organizada pela ADPF para formar a lista tríplice enviada ao presidente Michel Temer como sugestão na escolha do diretor-geral da PF. Temer ignorou a indicação e nomeou para o cargo Rogério Galloro, que não estava entre os três votados pelos delegados. Ela foi a inspiração para personagens de filmes e séries sobre a Lava Jato.

Depois da morte de Cancellier, foi transferida para Sergipe, onde chefia a Superintendência da PF. No mês passado, a Folha revelou que Erika Marena protocolou uma representação na Polícia Federal catarinense que resultou num inquérito para investigar o professor de jornalismo Aureo Mafra de Moraes, chefe de gabinete da reitoria da UFSC, acusado de ofender a honra da delegada durante uma entrevista a alunos da universidade. A investigação continua em curso.

O professor Mario de Souza Almeida, do curso de Administração da UFSC, também foi chamado a dar explicações na PF por causa da Ouvidos Moucos. Paraninfo de turma de formandos, Almeida criticou os resultados da operação policial durante o evento da colação de grau.

"Me pediram para ficar quieto, não tocar mais no assunto e é o que eu vou fazer. Então para bom entendedor meia palavra basta", disse Almeida. O autor da censura foi o delegado Nelson Napp, responsável pelo relatório final da operação Ouvidos Moucos.

Na ocasião, a Polícia Federal de Santa Catarina informou, em nota, que "recebeu representação encaminhada por servidores públicos federais, que se sentiram vítimas de possíveis crimes contra a honra diante da exposição de faixas com dizeres tidos como ofensivos nas dependências da Universidade Federal de Santa Catarina".

A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), entidade que representa todas as carreiras da instituição, manifestou solidariedade ao vereador Araújo. "As entidades definem o ofício encaminhado pela associação de delegados como uma peça grotesca e impensada, tanto do ponto de vista jurídico quanto do ponto de vista disciplinar. Essa iniciativa também parte em direção diametralmente oposta à política interna traçada pelo atual diretor-geral da PF, que já deu início a uma série de tratativas conjuntas para buscar a reestruturação do órgão, otimização dos seus processos internos e melhoria dos seus resultados."

No relatório final da Ouvidos Moucos, o delegado Nelson Napp aponta o reitor Cancellier como chefe de uma suposta organização criminosa por ter mantido ou promovido a cargos de destaque um grupo de professores que abastecia uma suposta política de desvios de verbas. Não há nas 817 páginas do relatório provas de que Cancellier tenha recebido recursos decorrentes de crime.

Os desvios, segundo a investigação, aconteceram de 2008 a 2016. Cancellier, porém, foi o único reitor incriminado pela PF, apesar de ter assumido a direção da universidade apenas em maio de 2016.

Os reitores que comandaram a UFSC nos oito anos em que a suposta quadrilha atuava, Alvaro Toubes Prata (2008 a 2012) e Roselane Nekel (2012 a 2016), não são alvo das acusações do delegado.

O vereador e ex-agente da PF Sandro Araujo disse à Folha que o ofício da PF tem como objetivo intimidá-lo. "Uma tentativa clara e inútil da parte deles de calar a minha voz, porque eu já faço isso muito antes de ser vereador aqui em Niterói, que é criticar o sistema de investigação brasileiro."

O presidente da ADPF, Edvandir Paiva, diz que a atuação de Araújo é pautada por ataques aos delegados e, no caso, ele extrapolou a função como vereador. "Ele é um agente da ativa e um policial federal não deve ficar falando sobre investigações que ele não conhece", disse Paiva. "E a investigação não tem nada a ver com a atuação dele como vereador. Ele extrapola sua função."

ENTENDA O CASO DA UFSC

O que é a Ouvidos Moucos Uma operação da Polícia Federal que investigava desvios de verba nas bolsas de estudo do programa de educação à distância da UFSC, concedidas pela Capes (do governo federal)

14.set.17 Operação prende seis professores e o reitor, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, por supostamente tentar atrapalhar investigação da corregedoria da UFSC (ele não era suspeito de corrupção). Quem pediu as prisões foi a delegada Erika Marena, ex-coordenadora da Lava Jato

15.set.17 Juíza determina a soltura dos acusados, mas mantém decisão que os proibia de frequentar a UFSC 2.out.17 Cancellier se joga do 7º andar de um shopping de Florianópolis; "minha morte foi decretada quando fui banido da universidade!!!", dizia o bilhete encontrado em seu bolso

nov.17 Com a repercussão da morte, é aberta uma investigação interna na PF para apurar a conduta dos policiais no caso, sobretudo a de Erika Marena. A sindicância concluiu que não houve irregularidades

dez.17 Erika Marena é transferida ao comando da Superintendência da PF de Sergipe, mas sua promoção só é efetivada em fev.18, por causa das dúvidas sobre sua conduta na Ouvidos Moucos

25.abr.18 Polícia Federal envia relatório final da operação à Justiça Federal, indiciando 23 pessoas. Entre elas está Mikhail Cancellier, filho do ex-reitor. O procurador André Bertuol, do Ministério Público Federal de SC, decidirá se o caso resultará em denúncia

CONTRADIÇÕES DA POLÍCIA FEDERAL

- A PF acusou Cancellier de dar suporte à quadrilha que desviava dinheiro, mas não encontrou provas de sua participação nem de recebimento de valores ilegais - No dia das prisões, a PF divulgou em rede social que o esquema teria desviado R$ 80 milhões; mais tarde, reconheceu erro no valor, que na verdade correspondia a todo o repasse ao programa de 2008 a 2016 - O parecer que acabou arquivando a investigação interna na PF, como revelou a Folha, foi feito pelo delegado Luiz Carlos Korff, que também é diretor de comunicação da PF catarinense

OUTRAS OPERAÇÕES DA PF EM UNIVERSIDADES FEDERAIS

Universidade Federal de Minas Gerais

- Operação: Esperança Equilibrista - Quando: 6.dez.2017 - Suspeita: Desvio de R$ 4 milhões na construção e implantação do Memorial da Anistia Política do Brasil na universidade - Fase atual: Inquérito ainda não foi concluído; a Polícia Federal afirmou que o enviou à Justiça Federal e encerrará a investigação quando ele retornar: "As análises dos materiais apreendidos estão em fase adiantada, assim como o rastreamento dos recursos públicos aguardam as últimas informações bancárias", disse em nota - Resultado: O reitor Jaime Arturo Ramirez e a vice-reitora Sandra Regina Goulart Almeida foram alvos de condução coercitiva. Outras cinco pessoas também foram levadas a prestar depoimento. Almeida assumiu o posto de reitora após o fim da administração de Ramirez, em março - O que diz a UFMG: Afirmou que está à disposição das autoridades e convicta de que tudo será esclarecido

Universidade Federal de Juiz de Fora

- Operação: Editor - Quando: 21.fev.2018 - Suspeita: Fraudes e superfaturamento nas obras do Hospital Universitário - Fase atual: Polícia Federal concluiu a investigação, e denúncia já foi oferecida - Resultado: Cinco pessoas presas, incluindo o ex-reitor Henrique Duque; um mês depois, todos haviam deixado a prisão (a defesa de Duque questionou a necessidade da prisão preventiva) - O que diz a UFJF: Afirmou que não há o que comentar

Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Campus Cornélio Procópio

- Operação: 14 Bis - Quando: 13.mar.2018 - Suspeita: Esquema de fraudes em contratos e licitações que somam R$ 5,7 milhões - Fase atual: Ministério Público Federal ainda analisa documentos apreendidos, mas diz que pode oferecer denúncia a partir das provas já coletadas - Resultado: 20 pessoas presas, todas soltas atualmente; dois servidores já haviam sido demitidos antes da operação em 2016, após processo administrativo, e seis receberam advertência e foram transferidos - O que diz a UTFPR: A nova gestão informou que contribui com as investigações

Folha

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