Ataques às bases de transporte de valores: um crime comum no Brasil?

Data: 25/04/17

Por Romildson Farias Uchôa*

É perceptível que as ações criminosas estão em constante evolução no mundo inteiro. Quadrilhas se fortalecem com os valores roubados e investem em tecnologia, armamento e metodologia de ataque.

Porém, não existe lugar no mundo onde tal evolução da criminalidade e seus reflexos sejam mais sentidos do que no Brasil. Um exemplo latente e atual é o ataque às transportadoras de valores. Tais empresas são responsáveis pela proteção de milhões de reais que circulam pelo país e por bilhões de reais que permanecem em custódia diariamente. Assim, o trabalho das empresas de transporte de valores permite o fluxo do meio circulante, proporcionando o andamento da atividade comercial, o funcionamento dos caixas eletrônicos e bancos, por exemplo, providos de dinheiro.

Devido à sua atividade, as empresas de transporte de valores têm sido alvo constante das quadrilhas. Obviamente tal ação criminosa não afeta apenas a atividade em si: pessoas são mortas, outras ficam feridas, os custos de operação e seguros aumentam, o país fica traumatizado pela falta de controle de segurança pública, e por aí vai.

Em menos de 18 meses, foram vários ataques à bases transportadoras de valores pelo país afora. Isso sem falar nos inúmeros ataques aos seus carros-fortes e às suas equipes de Vigilantes. Esse tipo de ataque demonstra uma nova modalidade de crime contra o patrimônio. Por suas características de extrema violência e descaso com qualquer reação policial, ilustra bem uma parte da evolução das tendências criminais.

Tal modalidade (a “invasão de base”) segue, em linhas gerais, as características dos “roubos a bancos” e suas variáveis, porém com características próprias e inovadoras. É de se ressaltar que, em um passado recente, a partir da década de 90, em relação ao roubo de bases de valores, verificou-se uma extensão do modus operandi, passando-se a incluir o sequestro de gerentes, funcionários, famílias ou, ainda, a construção de túneis, explosão de paredes e ataques às tesourarias.

Estas empreitadas criminosas, ocorridas entre novembro de 2015 até o presente, demonstram singularidade e indevida atenção das autoridades do Sistema de Segurança Pública.

Vamos ilustrar a exponencial situação através da estatística:

Total de R$ 184 milhões roubados!!! Isso sem falar em ataques às Centrais de distribuição de numerário do Banco Central/Banco do Brasil, como o de Bom Jesus da Lapa, na Bahia(SERET). A título de exemplo, no furto ao Banco Central de Fortaleza, no ano de 2005, foram levados aproximadamente 164 milhões.

Nesta evolução da criminalidade contra as bases de transporte de valores, os ataques se tornaram mais fulminantes, com as explosões comprometendo a própria arquitetura e entorno, utilização de muitos veículos, armamento de grosso calibre, inclusive metralhadores e fuzis .50 (ponto cinquenta), com apoio de 40 a 50 criminosos no ataque direto, entre outras.

O financiamento do crime se dá com a realização de crimes intermediários (roubos a banco, cargas, veículos), bem como através dos lucros com o tráfico de drogas. Os valores auferidos também são reinvestidos no tráfico e em outros crimes. É possível que os roubos a Carros Fortes, entre o final de 2013 e início de 2015, tenham propiciado o financiamento dos ataques.

Os assaltantes “top” (estão entre os mais procurados e são também os mais experientes) que planejam esse tipo de crime e que conseguem agir sem interveniência (ou dependência) das facções criminosas (a exemplo do pcc), muitas vezes a elas não se associam, evitando, com isso, ficarem muito visados pelas Polícias. Muitos levam vida social “tranquila”, em condomínios de luxo, passando anos e anos sem serem identificados como criminosos.

Porém, acaba ocorrendo um tipo de parceria, onde a facção é uma espécie de sócia da empreitada criminosa, bem como alguns executores da empreitada podem ser integrantes. Isso é uma maneira de fazer caixa, reinvestindo o dinheiro auferido com os mais diversos crimes.

O modus operandi requer quantidade elevada de assaltantes, que são divididos, estrategicamente, em: financiadores, primeiro, segundo e terceiro escalão. Neste aspecto, pensávamos que o pessoal do primeiro escalão era o que ficava unicamente responsável pela parte de inteligência da ação. No entanto, hoje é sabido que alguns dos assaltantes considerados “de primeiro escalão”, além de estrategistas, são responsáveis, também, pela estruturação das ações do pessoal do segundo escalão (grupo de apoio que entra na base e os “explosivistas”).

Na ação de entrada nas bases, trabalham como em uma linha de produção em série, como uma empresa, onde cada um tem uma determinada função.

Grande é a preocupação de diversos policiais com a evolução e estágio atual do crime, seja por sua ousadia, prejuízos sociais, recrutamento de novos criminosos, etc., bem como pela própria incapacidade do Estado de debelar os grupos criminosos. Notamos que após uma grande sequência de roubos a carros fortes (2013-2015), captou-se dinheiro para possibilitar os ataques às bases.

Muito se fala em termos de valores, por conta das características do furto ao Banco Central, porém acaba-se por esquecer diversos outros episódios com valores próximos ou até maiores, a exemplo do grande roubo ao Banco Itaú em São Paulo.

Assim, verificamos algumas grandes implicações de tais crimes:

a. Ao enfrentar a problemática dos roubos de valores (gênero), o objetivo final ou principal não é proteger o patrimônio dos bancos, via de regra já cobertos por seguradoras, mas sim atacar toda uma gama de crimes associados, “crimes meios” e “crimes decorrentes”, bem como o enorme e incalculável prejuízo social causado tanto pela interrupção de serviços, quanto pelo aumento de preço de seguros, onerando, dessa forma, a cadeia produtiva;Há, ainda, toda uma glamourização de certos criminosos que, por suas trajetórias, passam a ser referências para jovens em situação de vulnerabilidade;

b. Os grupos que têm atacado Bases de Valores, vêm realizado tais ações utilizando em média 40 (quarenta) criminosos na ação direta, contando ainda com toda uma outra rede de apoios. Assim, estão desenvolvendo uma expertise própria de grupos paramilitares, cujo posicionamento, procedimentos, armamento, rapidez, disposição e preparo para eventual enfrentamento com a polícia, torna o cenário de um ataque a bases de valores um pandemônio, que num eventual confronto, com antecipação da força policial, poderá infligir pesadas baixas aos dois lados;

c. Há uma potencial ameaça de perpetuação do ciclo vicioso, pois o segundo ou terceiro escalões desses grupos podem vir a planejar e executar outros crimes, sem a cúpula que idealizou os primeiros ataques. Algo semelhante ocorreu com a dispersão dos grupos de ataques a Caixas Eletrônicos na década passada;

Como podemos perceber, o desafio é novo, o que se constata a partir da leitura de declarações de algumas autoridades públicas, de cúpula da Segurança. O Estado, que não está preparado para debelar os mais de sessenta mil homicídios ao ano (sendo a vida o maior valor a se preservar), não estaria também preparado para evitar o estágio atual de crimes contra o patrimônio.

O que se constata é que há apenas ilhas de excelência em relação à investigação criminal no Brasil. Muito se fala em Inteligência (termo que virou uma panaceia), mas se esquecem que, em nosso estado de direito, a repressão criminal tem que se dar dentro de regras que respeitem o devido processo legal, e isso só pode ocorrer em um ambiente de investigação criminal científica, sem se sacrificar, como remédio para todos os males, a tão importante atividade de inteligência.

Não se pode esquecer que, em geral, os crimes estão interligados. Assim, os veículos roubados servem como moeda de troca para aquisição de armas e drogas, bem como para serem utilizados em roubos diversos. Os roubos a banco, as explosões de caixas eletrônicos, servem como treinamento e levantamento de fundos para ataques maiores.

A lacuna de atuação se mostra evidente pois há limitações por parte das polícias militares em investigar, e também limitações estruturais e territoriais da polícia civil, bem como a investigação de roubos a bases não é uma atribuição direta da polícia federal, demandando esforços institucionais de todos os envolvidos.

Urge que priorizemos, nas polícias investigativas, a investigação criminal, a perícia técnica, a cultura de inteligência (para todas as polícias), a cultura de integração e compartilhamento de informações, a ascensão na carreira por meritocracia, a priorização de “alvos” (nos moldes do FBI), a valorização e especialização dos profissionais de segurança, o controle efetivo de armamentos e explosivos, a modernização da legislação em geral, entre outras medidas.

São necessárias mudanças urgentes no modelo de Segurança Pública brasileiro, que se encontra anacrônico, para não dizer falido, frente a sua missão: prover a segurança da população. Falta vontade política dos governantes em priorizar a investigação e reengenharia dos modelos das polícias. Em contrapartida, o debate acaba sendo distorcido por interesses classistas, às vezes, inclusive, de cargos que se perpetuam na área de segurança, preferindo simplesmente manter o status quo.

O que antes temíamos, na data de 24.04.2017 acabou por acontecer, com o país exportando a dita modalidade criminosa, para o vizinho Paraguai, onde cerca de sessenta indivíduos, seguindo o mesmo modus operandi das ocorrências anteriores invadiu a empresa Prosegur em Ciudade Del Este, subtraindo cerca de quarenta milhões de reais. Assim, a modalidade que se iniciou em São Paulo e já se espalhava pelo Norte e Nordeste, agora chega a outro país – sendo possivelmente o mesmo grupo que encabeçou os ataques anteriores, com equipes de assaltantes recrutados pontualmente para os roubos.

  ANEXOS – Reportagens: INVASÃO DE BASES DE VALORES: 06/11/15 – Base de Valores da Prossegur Campinas/SP – 29,9 milhões. http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2015/11/bando-cercou-e-metralhou-empresa-durante-mega-assalto-em-campinas.html 09/02/16 – Base SERET Banco do Brasil – JACOBINA/BA – Valor discutível. Dizem 3,8 milhões. http://www.diariodachapada.com.br/noticias/6414/banco-do-brasil-de-jacobina-assaltado-nesta-madrugada-bandidos-trocam-tiros-com-a-policia.html 14/03/16 – Base Protege Campinas/SP – 48 milhões (de acordo com assaltantes tinha muito mais). http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2016/03/ataque-empresa-de-carro-forte-em-campinas-tem-cenario-de-guerra.html http://vejasp.abril.com.br/cidades/justica-condena-policiais-que-receberam-propina-em-mega-assalto/ 04/04/16 – Base Prossegur Santos/SP – Roubo de 18 mi, recuperados 9. http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2016/04/grupo-invade-empresa-de-seguranca-em-santos-troca-de-tiros-deixa-feridos.html 22/04/16 – Base Prossegur Barreiras/BA – 10 milhões http://g1.globo.com/bahia/noticia/2016/04/bandidos-explodem-empresa-de-seguranca-e-trocam-tiros-com-policia.html 05/07/16 – Base Prossegur Ribeirão Preto/SP – 50 milhões no BO. Rumores de que havia 67 mi. http://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2016/07/blindados-usados-em-mega-assalto-sao-encontrados-em-canavial-de-sp.html http://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2016/07/quadrilha-ataca-empresa-de-valores-e-mata-policial-rodoviario-em-ribeirao-preto.html 26/07/16 – Notícias de que iriam fazer a Prossegur Campinas novamente: http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2016/07/policia-faz-cerco-para-evitar-assalto-em-empresa-de-valor-de-campinas.html 17/08/16 – Base Protege Santo André/SP – Tentativa. http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/08/homens-armados-atacam-e-invadem-sede-de-empresa-de-valores-no-abc.html 05/09/16 – Base Prossegur Marabá/PA – entre 20 e 25 milhões... http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2016/09/video-registra-acao-de-assaltantes-que-explodiram-empresa-em-maraba.html 01/12/16- Base Prossegur em Redenção/PA- Tentativa (Base incendiou). http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2016/12/transportadores-de-valores-sofre-tentativa-de-assalto-em-redencao.html 04/01/17 – Tentativa em Bacabal – MA http://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2017/01/confronto-entre-pm-e-assaltantes-de-bancos-deixa-um-morto-no-ma.html 22/01/17 – Tentativa de Assalto ao SERET de Bom Jesus da Lapa – BA http://www.agravo.blog.br/2017/01/23/tentativa-de-assalto-a-banco-em-bom-jesus-da-lapa-termina-com-policiais-mortos/ http://g1.globo.com/bahia/noticia/2017/01/dois-pms-sao-mortos-tiros-durante-ataque-de-bandidos-em-cidade-da-ba.html 21/02/17 – Assalto a Brinks Recife – PE http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/ataques-orquestrados-de-bandidos-aterrorizam-a-zona-oeste-do-recife.ghtml 24/04/17 –Assalto a Prossegur em Ciudade del Este- Paraguai http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/04/1878226-faccao-de-sp-e-suspeita-de-atuar-em-mega-assalto-inedito-no-paraguai.shtml http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/04/tres-suspeitos-do-maior-assalto-ja-registrado-no-paraguai-morrem.html   *Romildson Farias Uchôa é Agente de Polícia Federal, Bacharel em Segurança Pública e Bacharel em Direito e especialista em Ciências Penais. Oficial da reserva não remunerada da Polícia Militar do Ceará.  

OUTRAS NOTÍCIAS

Ataques a Servidores Públicos não intimidam Policiais Federais

Quem investiga a corrupção nos Estados?

O que ocorreria se a ‘PEC da autonomia da PF’ fosse aprovada

Suspensão da emissão de passaportes: análise da responsabilidade do Estado