Brasil conservador, Congresso mais conservador

Data: 23/10/14

Das ‘jornadas de junho’ à inação nas eleições de outubro. Este foi o movimento pendular que redundou na escolha, no dia 5 de outubro, de um Congresso mais conservador que o atual. Acrescente-se aí que cerca de 30% dos eleitores alienaram o voto, isto é, se abstiveram, ou votaram em branco ou se anularam. Ninguém precisa se assustar com esta informação, pois, efetivamente, é preciso deixar a máscara cair: o Brasil é um país conservador. A propósito, há uma onda conservadora no mundo, talvez em razão das inseguranças generalizadas da humanidade.

A cada eleição, o Congresso perde em qualidade e fica mais resistente às mudanças que poderiam fazer o processo civilizatório avançar mais rápido no Brasil. Quando alguém criticava o Poder Legislativo perto do deputado Ulysses Guimarães, ele dizia em tom irônico: você acha que este Congresso é ruim, espere o próximo. Parece uma lógica perversa.

A imprensa, a propósito, tem grande responsabilidade nisto, pois as notícias em torno das questões afetas ao Poder Legislativo são, em geral, veiculadas de forma negativa, pejorativa e desdenhosa. A mídia e os setores conservadores dominantes da sociedade têm satanizado sistematicamente a política, os partidos e as instituições democráticas do País. Assim, com base nessas ‘informações’ cheia de preconceitos e com vieses negativos e conservadores, os eleitores têm ido às urnas para escolher seus representantes.

Mal-intencionados e desinformados
“Dois contingentes de pessoas desdenham da política: os mal-intencionados e os desinformados. Esses, os mal-intencionados, os principais beneficiários, desdenham da política para afastar os incautos e eleger gente de suas relações para ocupar os espaços de poder e agir em benefício próprio ou de grupos incrustados no poder, em detrimento da grande massa do povo. Aqueles, os desinformados, os analfabetos políticos, são as potenciais vítimas dessa opção ou desorientação, porque, por omissão e/ou alheamento, permitem a eleição de seus inimigos de classe, seus algozes”, analisa o diretor de Documentação do Diap, Antônio Augusto de Queiroz.

Leonardo Sakamoto, em artigo veiculado em seu blog, analisa que as mudanças ocorridas no país têm relação, entre outras, com o fato de “Os movimentos sociais e organizações da sociedade civil de caráter mais progressista sempre empurraram o Congresso Nacional para que fosse menos conservador do que a população do país.”

E acrescenta: “Em outras palavras, a força da mobilização e da organização desses grupos na política nacional conseguia fazer com que esse descompasso [entre o Legislativo majoritariamente conservador e avanços pontuais] acontecesse.” Na última eleição, o conservadorismo transbordou!

O Congresso, para o bem ou para o mal, é uma síntese do Brasil e do nosso povo. O Brasil tem uma democracia representativa. E o eleitor, nesse modelo político, é corresponsável pelos representantes que elege. Em outras palavras, o eleitor elege alguém para representá-lo no Legislativo, nas três esferas de poder: municipal, estadual e federal.

Os números saídos das urnas evidenciam o quanto o Congresso está mais parecido com o Brasil, para usar uma expressão de Sakamoto, com o propósito de entender mais e melhor esse perfil conservador.

Congresso em números
Mesmo com eleitorado majoritariamente feminino, a bancada feminina na Câmara cresceu apenas 8,5% — saiu de 47 para 50 — que corresponde a apenas 10% dos 513 representantes na Casa legislativa. No Senado, cuja eleição é majoritária, isto é, despende mais recursos materiais e financeiros, tornando-se uma disputa mais difícil ainda para as mulheres, a bancada feminina, entre os 27 eleitos e reeleitos, apenas cinco são mulheres, sendo duas reconduzidas e três novatas. A bancada passará de 10 para 12 senadoras, num colégio de 81 cadeiras.

A bancada sindical despencou de 83 representantes, na atual legislatura, para algo em torno de 50 deputados e deputadas. Essa bancada defende os interesses dos assalariados no Congresso, dá sustentação política e faz a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores, aposentados e servidores públicos no Legislativo federal. E também faz a intermediação das demandas e mediação dos conflitos entre estes e o governo e/ou empregadores.

Essa bancada é importantíssima para os trabalhadores e o movimento sindical, porque faz o contraponto com a bancada empresarial, que elegeu, em levantamento preliminar do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), algo em torno de 246 representantes.

A bancada evangélica, a seu turno, elegeu grande número de representantes. Até o momento foram identificados 74 membros. Essa bancada vocaliza as cruzadas de caráter homofóbico, reativas às pautas LGBT, combinadas com a campanha das forças conservadoras [e reacionárias] pela redução da idade penal, igualmente, proporcionaram votações estratosféricas para os líderes desse movimento, como o pastor Marco Feliciano (PSC-SP), Jair Bolsonaro (PP-RJ), Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Fraga (DEM-DF), Major Rocha (PSDB-AC), entre muitos outros.

A propósito, lembrando novamente Sakamoto, a bancada evangélica cresceu “porque tinha que crescer mesmo. Havia uma subrepresentação desses grupos, organizados em uma série de igrejas com pontos de vista diferentes.” Ademais, a ‘nação evangélica’ tem crescido no país. Assim, por óbvio, o seu crescimento na representação política segue esse ritmo.

O número de evangélicos no Brasil aumentou 61,45% em 10 anos, segundo dados do Censo Demográfico divulgado em 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2000, cerca de 26,2 milhões se disseram evangélicos, ou 15,4% da população. Em 2010, eles passaram a ser 42,3 milhões, ou 22,2% dos brasileiros. Em 1991, o percentual de evangélicos era de 9% e, em 1980, de 6,6%.

Há, ainda, a bancada ruralista, que se configura como uma das mais eficientes do Congresso Nacional, e contará com pelo menos, em levantamento preliminar do Diap, 139 deputados a partir de 2015. Atualmente, a frente suprapartidária possui 160 membros.

A bancada ruralista é a principal rival da bancada ambiental e atuou, até o ano passado, para dificultar a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) que pune o trabalho escravo. Agora, depois de aprovada e promulgada a PEC do Trabalho Escravo, a bancada tem atuado para dificultar a regulamentação da emenda, impondo projeto de lei para definir um conceito de trabalho escravo.

Ao que parece, os ativistas das ‘jornadas de junho’ e suas variantes radicalizações por grupos marginais como os ativistas black blocs cansaram e amedrontaram os incautos, que imaginaram que o ‘gigante adormecido’ precisava de apenas uma sacudidela para acordar de sua longa hibernação.

Do ‘movimento’ à inação, a eleição de deputados e deputadas, em 5 de outubro, elegeu um Congresso mais parecido com o Brasil profundo, que perdeu a vergonha de ser conservador, portanto, mais fidedignamente à sua cara.

(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap

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